sexta-feira, 7 de março de 2008

MOSER: Embriões congelados: por trás dos bastidores


Todos nos alegramos com os avanços das ciências e das tecnologias. Entre essas, com razão, vêm merecendo destaque a biogenética e as biotecnologias. Pela biogenética vão, cada vez mais, sendo desvelados os mistérios da natureza e da vida. Pelas biotecnologias cresce o biopoder, ou seja, a capacidade de interferir sobre os mecanismos mais secretos da vida. Com isso temos razões para sonhar com uma “casa” onde, apesar de todas as contradições inerentes à condição humana, todos tenham a satisfação de viver muito e com melhor qualidade de vida.
Uma vez sinalizado o que se passa no palco, cabe agora localizar alguns personagens que atuam por trás das cortinas dando origem a estranhos ruídos. A comparação do “palco” e dos “bastidores” não é fortuita. Para evidenciar os muitos interesses que estão em jogo, convém não esquecer que nestas últimas décadas questões relacionadas com a biogenética e biotecnologia passaram a ocupar lugar significativo não só na mídia, como também nos meandros da economia e da política. Ao lado do compreensível sensacionalismo com o qual são enunciadas eventuais descobertas ou simples possibilidades remotas de que um dia se chegue a algum resultado mais concreto, é preciso armar-se de alguma malícia para encontrar os atores ocultos e seus reais interesses.
Antes de mais nada, quando tratamos de biogenética e biotecnologia sempre carregamos conosco concepção antropológica. Quem parte do pressuposto de que o ser humano é química, e somente química, nunca passará do plano biológico. Entretanto, para quem visualiza o ser humano na multiplicidade de dimensões e na complexidade dos fatores que sobre ele atuam, nada mais simplório do que apostar todas as cartas numa única dimensão. Por isso mesmo, quando se trata de qualificar alguém como saudável ou não, as divergências são inevitáveis. As divergências serão maiores ainda quando se raciocina em termos de felicidade ou infelicidade. Na pressuposição biologista os bem-dotados são todos muito felizes, enquanto os portadores de alguma deficiência, ou alguma limitação, serão sempre desgraçados.
Ademais há evidente desejo por parte de alguns setores da sociedade em exagerar quando se trata de doenças de cunho genético, como também há evidente empenho por ocultar outros fatores que se encontram na origem de um bem maior número de sofrimentos. Há ainda pouco tempo parecia que todos os problemas da humanidade se resumiam nos “incontáveis” casos de anencefalia. Agora amplia-se um pouco o leque de preocupações desde que nestas não apareçam fatores econômicos, sociais, psíquicos, afetivos, morais. Para alguns, saúde pública é sinônimo de liberação de embriões para experiências e descriminalização do aborto, sem adjetivos. Pela lógica desse raciocínio, daqui a pouco a saúde pública vai exigir também a eutanásia.
Mas há ainda outro personagem que ficam sufocados por trás das cortinas do palco. Ele denomina-se sentido da vida. Ele é impedido de aparecer, pois com ele se encontram uma concepção de sexualidade, uma concepção de amor, uma concepção de matrimônio, uma concepção de dignidade e naturalmente uma concepção de reprodução humana. Claro que ninguém vai questionar a busca de melhoria das espécies vegetais e animais por meio de técnicas cada vez mais sofisticadas.
Entretanto, a não ser que queiramos assumir os princípios da eugenia, não há como silenciar diante dos pressupostos mecanicistas e materialistas que a denominada reprodução assistida carrega consigo. No caso já não estamos diante de um apoio que a tecnologia pode e deve oferecer aos seres humanos, mas estamos diante de uma substituição pura e simples do que mais caracteriza o humano, que são gestos concretos de amor. E isso se denomina de manipulação, no sentido mais forte da palavra, pois a vida nascente não é mais tratada como vida, mas como “material biológico”.
E, ao ser considerada material biológico, passa a ser tratada como simples mercadoria, com o conhecido cortejo de toda sorte de malefícios que a acompanham. A casuística que se levanta em torno dos presumíveis 30 mil embriões congelados, só no Brasil, bem como a compaixão pelos que sofrem não passam de cortina de fumaça. E essa cortina visa impedir que sejam levantadas questões mais sérias e incômodas para todos — sobretudo para os donos do poder e do biopoder. (Frei Antônio Moser - especialista em bioética - Jornal Correio Braziliense, 05/03/2008 - http://www2.correioweb.com.br/cbonline/opiniao/pri_opi_59.htm)

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