quarta-feira, 26 de novembro de 2008

PARA ENTENDER CARL SCHMIT (1)

Roberto Romano

Quando doutrinas jurídicas mostram elos inequívocos com práticas genocidas, obrigação ética é examinar os textos, sem o direito de elogiar seus pressupostos e conclusões. O anti-semitismo de Carl Schmitt requer tal atitude deontológica. Médicos, juízes, professores universitários, advogados, pesquisadores das ciências sociais, se profissionais competentes, conhecem a eugenia e a política assassina do nazismo, defendidas por militantes ignaros ou intelectuais. A culpa dos últimos é mais grave.
No caso de C. Schmitt, ninguém pode elogiar suas doutrinas e calar o incitamento ao genocídio nelas explícito. Bom número de universitários, jornalistas e partidos de esquerda aplaudem, em nome da luta contra a corrupção, pronunciamentos favoráveis ao jurista mais notório do nazismo. Para citar Walter Benjamin, se não mantivermos a memória acesa, “nem os mortos estão seguros”. Quem sofre na carne o preconceito racial não tem o direito de ignorar o que significa Schmitt na história do Direito e das ideologias. E. Bloch, autor do livro O Princípio Esperança o situa entre “as prostitutas do absolutismo que se tornou completamente mortífero, do absolutismo nacional-socialista.”(Droit Naturel et Dignité Humaine, Paris, Payot, 1976, p. 57).
Schmitt uniu as formas legais nazistas e as ditaduras que a SA (destruída por Hitler e trocada pela Gestapo) impuseram à Alemanha. Para conhecer o pensamento de Schmitt, examinemos seus escritos, mesmo que tal mister exija a máscara contra gases fétidos.
Nos últimos vinte anos ele se tornou o patrono da esquerda e dos que renovam o fascismo. Sua leitura raramente é feita em primeira mão, os axiomas que ele inventou chegam aos catecúmenos por propagandistas como G. Agambem e outros. Ignorando sua atividade efetiva, não o lendo diretamente, muitos transmitem ao coletivo o seu anti-semitismo totalitário.
Yves Ch. Zarka, autor de pesquisas essenciais sobre Hobbes (cujos textos são usados por Schmitt para combater a democracia) e a razão de Estado, desmascara ao mesmo tempo Schmitt e a esquerda que hoje o assume. Cito o juízo de Zarka, escritor a ser usado por mim até o final das presentes análises. “Existia uma corrente pró schmittiana de extrema direita. O que não é surpresa. Schmitt é reivindicado pela ala a que ele pertenceu. Mas é nova a adesão às teses de Schmitt entre intelectuais da esquerda ou extrema esquerda. Era impossível em 1960 ou 1970 que tais setores se referissem a um pensador ligado ao nazismo, mas hoje ocorre o contrário. Como entender a sedução do pensamento de Schmitt entre os intelectuais de esquerda? A razão principal, creio, é a crise profunda do pensamento de esquerda pós marxista. Como o pensamento marxista caiu na indigência, perdeu todo crédito, é incapaz de suscitar a menor adesão intelectual, bom número de teses schmittianas surgem como tábua de salvação. É como se Schmitt fornecesse a versão renovada, revigorada, expressa em outros termos, de teses e temas antes mantidas no pensamento e no combate marxista. Assim ocorre na crítica ao liberalismo, parlamentarismo, representação política, formalidade dos direitos humanos, no tema central da luta ou da guerra na história, na questão do inimigo (de classe, estrangeiro) etc. Em tais pontos. Schmitt parece suscetível de tomar o bastão de Marx (...) para defender as mesmas posições ou combater os mesmos adversários (...) O mesmo jurista, hoje guru de uma parte dos intelectuais, conduziu décadas antes os que o seguiam, repetindo o grande jurista alemão E. Kaufmann, “para a lama do niilismo e de sua variante nacional-socialista”. (Un détail nazi dans la pensée de Carl Schmitt, Paris, PUF, 2005, pp. 92-93).

Roberto Romano é professor de Ética e Filosofia na Unicamp - Artigo publicado em 26/11/2008 no jornal Correio Popular, Campinas, SP.
http://www.cpopular.com.br/mostra_noticia.asp?noticia=1608330&area=2190&authent=28025DDCEFFBB21090654ED7698A82

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