sábado, 29 de novembro de 2008

ROMANCES HETEROCRÔMICOS

JOAQUIM ZAILTON BUENO MOTTA*
O amor romântico demanda alguma dose de heroísmo.
Não mais como nas fábulas, narrações lendárias e episódios reais que exigiram tragédias e renúncias quase insuportáveis, na maioria das vezes encaradas por um guerreiro machista. Porém, o romance não dispensa um toque heróico pela sua própria natureza.
Nos grandes clássicos do romantismo tradicional, vemos que Psiquê não podia acessar a identidade facial de Eros, em um dos mais intrigantes contos da mitologia grega; Abelardo e Heloísa tinham que ocultar de si próprios o desejo erótico que os inebriava, na Europa que ensaiava a era renascentista; Romeu e Julieta morreram pelo seu romance incompatível com a política das rivalidades familiares; já em nosso tempo, Camilla e Charles atravessaram anos de impostura aristocrática até conseguirem se casar.
Entre os muitos obstáculos da trajetória romântica, temos conflitos ideológicos, partidos políticos, as diferenças de classe social, de credo religioso, até mesmo de times preferidos. Um aspecto que agora se destaca é o do preconceito racial.
No Brasil, Ceci e Peri, em O Guarani, romance de José de Alencar, depois musicado em ópera por Carlos Gomes, formaram o par inter-racial primevo, segundo Zama Nascentes.
Durante o ano de 2004, a novela Da cor do pecado, na Rede Globo, mobilizou muita polêmica a respeito do par central, heterocrômico, e mais ainda sobre o título...
Na América do Norte, em setembro passado, a trama O Vizinho", dirigida por Neil LaBute, liderou a arrecadação de bilheteria nos cinemas do Canadá e Estados Unidos. É a história de um jovem casal inter-racial (ela é negra e ele, branco) que sofre com o vizinho policial que rejeita este tipo de união.
Até o século passado, a civilização ocidental esteve intolerante com o erotismo heterocrômico e com a homossexualidade, de modos invertidos.
No primeiro contexto, os pares intra-raciais se agregavam dentro das próprias etnias e desprezavam as outras. No segundo, os pares heterossexuais eram favorecidos enquanto se condenava a atração dos congêneres.
Hoje, podemos considerar esse panorama ultrapassado. Raças e gêneros podem se apresentar e se mesclar com liberdade. No festivo e marcante episódio das recentes eleições norte-americanas, a maioria branca e a minoria homossexual engrossaram a corrente da vitória democrática.
A progressiva tolerância que vai se transformando em simpatia é mais rápida com os homossexuais do que nas conexões inter-raciais.
O mundo comemora a escolha de Barack Obama como divisor de águas para o racismo. Foram decisivamente rompidas as barreiras que separavam as etnias? Nem todas.
A eleição política não garante águas tranqüilas para as relações amorosas. Provavelmente, as resistências racistas ainda solicitarão diligências dos amantes, muito mais do que pediram aos eleitores.
Quando o envolvimento é mais profundo entre duas pessoas, implicando corpo e espírito, a intimidade reivindica participação maior de cada uma.
Ao pretender uma relação erótico-afetiva, um indivíduo, em primeiro lugar, tem que sair dos seus próprios limites, passar pela auto-fiscalização alfandegária. Depois, apresentar-se-á para a inspeção na fronteira do outro.
Se o relacionamento for eventual, tudo será mais fácil, a visita se dará com visto de turista. Mas se a expectativa for se estabelecer no mundo da outra pessoa, haverá toda uma burocracia imigratória...
Diferenças financeiras podem ser diminuídas, interpretações sócio-culturais dependem de aprendizado. No plano étnico, poucos se disporiam a metamorfoses estilo Michael Jackson!
O amor heterocrômico implica alfândega mais rígida, reclama muito empenho dos amantes. Este é o vínculo sentimental que se manterá ainda por um bom tempo requisitando algumas ações heróicas (amorosas e não-sexistas) para sobreviver.
Interaja no GEA (Grupo de Estudos sobre o Amor) através do site: www.blove.med.br.

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