sábado, 29 de novembro de 2008

Um mundo de regiões mais utônomas

Marcelo Coutinho*

Até outro dia, para aprender minimamente como o mundo funcionava bastaria seguir a sugestão de Peter J. Katzenstein, em seu livro A world of regions, de pensar o mundo como regiões organizadas pelo império americano. Daqui para frente, no entanto, somente parte dessa compreensão resistirá à realidade de profundas mudanças internacionais em gestação desde a virada de século. Mais razoável hoje seria ver o mundo como regiões organizadas globalmente por múltiplos centros de poder assimétricos, em um contexto de decadência norte-americana relativa.

Essa caracterização das relações internacionais no século 21 não é definitiva, haja vista a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de explicar com precisão as mudanças enquanto elas ocorrem. De qualquer maneira, não é porque a ação política possa reverter tendências, que estas deixarão de existir. Atualmente, o mundo se inclina em duas direções simultâneas, mas não facilmente convergentes: fortalecimento das regiões e dos países emergentes fora dos centros econômicos tradicionais.

O Brasil, na América do Sul, é um caso perfeito para se entender uma política externa em tempos de mudança como estes. Como um dos principais emergentes, o país atua para realizar o destino manifesto de ser um colosso global, trabalhando para consolidar suas bases regionais a partir da união de todo o continente sul-americano. Dessa maneira, o Brasil duplica suas forças em escala econômica, PIB, população, recursos naturais e cacife político internacional, enquanto a vizinhança, cujos mercados internos são pequenos, tem a oportunidade de concretizar em todas as suas dimensões o bicentenário da independência, não sendo mais alvo da exploração primitiva ou mero campo descartável da disputa entre impérios estrangeiros mais preocupados com o desenvolvimento dos seus próprios territórios longíquos e adjacências.

Em tese, a quebra da hegemonia do hemisfério norte facilita o processo de emancipação sul-americana, porém isso está muito longe de significar uma trajetória suave de integração e liderança brasileira. O último caso de desalinhamento com o Equador mostra, uma vez mais, que o conceito de liderança natural é inapropriado e que o Brasil precisará lidar, pacientemente, com cada uma das crises regionais, erigindo sua liderança com a inteligência de quem atenua os choques e desvia das novas armadilhas montadas à medida que se alcança o objetivo da integração, adquirindo, assim, o respeito duradouro das demais nações. Isto tudo porque o Brasil é diferente. Seus propósitos não são ou não deveriam ser de dominação ou de um realismo barato curto-prazista, mas apenas de fazer convergir uma crescente importância brasileira no mundo com a necessidade de construção equilibrada do seu próprio espaço regional.

Um mundo de regiões mais autônomas pressupõe a coordenação de interesses e a formação de alianças estratégicas sólidas entre as nações. Por outro lado, a existência de países centrais em cada uma dessas regiões não reproduz forçosamente pequenos universos imperialistas. Disso depende a relação entre os países. Sempre vão existir pressões para que o Brasil, por exemplo, endureça com seus vizinhos chamados de "populistas" em resposta a supostas conspirações dos países menores. Nestes, por sua vez, costuma-se aflorar o medo atávico do gigantismo brasileiro.
Se tais sentimentos anti-integracionistas prosperassem então, provavelmente, todos da região perderiam o bonde da história, sem arquitetar um bloco sul-americano mais consistente nem consentir que o Brasil consolide na prática a liderança regional frente a sua própria aspiração globalizada.
*COORDENADOR DO OBSERVATÓRIO POLÍTICO SUL-AMERICANO, OPSA-IUPERJ

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