sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Aprender a ser adulto

ANNA VERONICA MAUTNER
[...] A RELAÇÃO ENTRE
TAREFA
E
TEMPO LIVRE
VEM SE
MODIFICANDO

Sinto falta de uma agência encarregada de nos treinar no uso do tempo livre e do lazer. As escolas nos ensinam do "bê-a-bá" a filosofia e cálculos. Com a família, adquirimos os comportamentos apropriados ao convívio interpessoal e intergrupal. Cabe às instituições religiosas cuidar das emoções. Cabe ao Estado supervisionar, validar, julgar e aplicar sanções.
Parece simples, mas as transformações que ocorrem em alta velocidade vêm criando problemas de difícil solução.Desde a Antiguidade, os calendários anuais contam com eventos ritualísticos e esperados. Os cantos e as danças que acompanham as festas sacras ou profanas são aprendidos espontaneamente por observação, imitação e treino. No nosso mundo, temos festas sazonais como Natal, Páscoa e Carnaval, e agências especializadas se encarregam de fazê-las acontecer.
No mundo moderno, a grande intervenção no uso do tempo livre é o Estado legislando sobre o número de horas dedicadas ao trabalho produtivo.
No último século, essas horas vêm diminuindo, e a relação entre tarefa e tempo livre vem se modificando. Mas quem é encarregado de dar forma ao uso do tempo livre?
Há alguns sinais no horizonte, mas não sei decifrá-los. Os folguedos infantis sempre foram a forma descompromissada de adestramento para as tarefas do adulto. Com as novas leis de descanso semanal, férias anuais, com a longevidade, a administração do tempo livre se torna competência de todas as instituições que organizam o comportamento em sociedade.
É no lazer, em sistema de livre escolha, que elaboramos as nossas experiências pessoais e nos tornamos seres pensantes. Nós somos seres vivos que não só pensam mas também se pensam.Veraneando numa pousada de praia, observei que nem as crianças nem os pais sabem o que fazer com o tempo e o espaço à disposição. Tanto que existe uma profissão, a de monitor, à qual cabe inventar jogos para entretê-las.
Para ensinar a brincar, o adulto deve ter uma fantasia a respeito do que acha que a criança deve vir a ser. Porém, sem saber o que esperar, que raciocínios serão necessários e que habilidades usaremos para escolher o brinquedo? Uma certeza temos sobre o mundo do futuro -ele é o da eletrônica; nele se viverá amanhã e dele a maioria dos idosos será excluída por falta de habilidade.
A quem atribuir a responsabilidade sobre as estripulias dos jovens, cujo tempo livre não conseguem usufruir sem transgredir? Quem responsabilizar pela depressão dos idosos, que se sentem sem futuro e, como tal, não sabem se pensar?A questão permanece: qual a agência encarregada de nos ensinar a ser adultos? Falta essa agência de individuação, que talvez passe à margem da psicologia. Tornar-se "si próprio" se origina no pensar sobre si.
O lazer no tempo livre é o caminho real da individuação. E a família, a grande facilitadora.

ANNA VERONICA MAUTNER , psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora) amautner@uol.com.br http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq1501200916.htm

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