quinta-feira, 18 de junho de 2009

A pobreza que enriquece o bolso e esvazia o espírito

Leticia Freire
Os indicadores de riqueza e de pobreza com os quais contamos hoje refletem a qualidade de vida das populações? Esses números estão reproduzindo a realidade sobre a vida na Terra? A resposta sincera é não, mas existe a opção de um “sim”. Então, como mudar o jogo?

Responder a pergunta era um dos desafios propostos para os participantes do debate Redefinindo Riqueza e Pobreza Numa Nova Economia Global, realizado na quarta-feira (17/6) na Conferência Ethos 2009. A conclusão: para entender quais são os elementos métricos de que precisamos, temos de definir que direção pretendemos tomar para reconstruir a economia global.

O mosaico partido

O dilema é sobre a nossa visão econômica de riqueza e pobreza, e o modo como ela condiciona as análises sobre o crescimento de uma nação. Temos usado os indicadores como o PIB para isso. Mas ele contempla nossas necessidades? Que necessidades?

Para Ladislau Dowbor, professor titular no departamento de pós-graduação da PUC-SP, o PIB está defasado. Ele não mede o desempenho da economia em termos de qualidade de vida da população. Em outras palavras: a métrica que valoriza a reprodução do capital ignora o ser humano.

Segundo o economista, medir se estamos tomando a direção certa é uma questão de direitos humanos. “Se 10 milhões de crianças morrem num país por causas ridículas e isso não entra na conta, do que trata esse PIB afinal?”, questionou.

A pergunta levou a outras reflexões sobre os indicadores que utilizamos, como, por exemplo, a priorização dos interesses privados em esfera pública. “Temos 25 milhões de pessoas com AIDS no mundo e temos que brigar com as empresas farmacêuticas para obter o coquetel a preços acessíveis. A produção dessas empresas aumenta o PIB. Mas a que custo?”, ponderou.

Ironizando o processo pelo qual a riqueza e pobreza são calculadas, Dowbor foi categórico em afirmar que estamos condenando um contingente de 4 milhões de excluídos à miséria. Para ilustrar, usou o exemplo da Pastoral da Criança, que atuando na ponta, consegue reduzir em 50% os casos de mortalidade infantil e 80% das hospitalizações.

O resultado disso, porém, é a queda do PIB. “Interessante como estamos fazendo a conta. Qualidade de vida significa a redução da riqueza interna? Estamos falando em dar acesso aos bens básicos, não estamos?”

A reflexão de Pochmann
Para Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), se queremos alcançar outro padrão civilizatório precisamos vencer resistências e mudar a forma como trabalhamos com os indicadores econômicos.

Ele propõe que o setor público reveja o modo como lida com as estatísticas. “Temos uma crise de governança. Falamos de um mundo dominado pelos interesses de megacorporações com faturamentos maiores que o PIB de muitos países. Ou seja, falamos de empresas que têm países e não países que tem empresas”, argumentou.

Para ele, as políticas públicas estão pautadas sobre modelos fracassados e trabalhar por uma nova economia significa pensar em um meio de equilibrar a conta contraditória que baliza a riqueza e a pobreza de uma nação, colocando a humanidade num caminho mais equânime. “Falamos de sistemas falidos, onde propomos o desenvolvimento com igualdade, mas sem liberdade. Ou o desenvolvimento com liberdade, mas sem igualdade. Precisamos rever os vazios desse discurso”, afirmou.

Pochmann lembrou que, ainda que a democracia brasileira se depare com as mazelas de um desenvolvimento desorganizado, conseguimos em 100 anos construir a 8ª economia do mundo. E agora temos enfim a oportunidade de trabalhar com liberdade para crescer com igualdade.

“Pela primeira vez em nossa história enfrentamos uma crise global dentro de um Brasil democrático, ainda que injusto. A mudança está sendo construída, não imposta, e o Brasil tem potencial suficiente para combinar crescimento com desenvolvimento sustentável”, lembrou.
Assim como Pochmann, Ladislau Dowbor reforçou que temos milhões de pessoas em situação de pobreza ou miséria e é preciso agir para dar oportunidades inclusivas a essas pessoas. Para isso, ele aposta na força de organização e mobilização da sociedade civil. “A solução não virá de cima, virá de nós enquanto coletivo social”.

“Começar a agir”

Oded Grajew concordou com Dowbor. “Frente aos problemas que não são calculados nas métricas do PIB precisamos começar a agir”, afirmou no debate. Foi mais longe e mostrou serviço: os Indicadores de Referência de Bem-Estar no Município (IRBEM), que estão sendo construídos pelo Movimento Nossa São Paulo.

Trata-se de um conjunto de métricas para avaliar a qualidade de vida dos moradores na cidade, um instrumento para ajudar pessoas, instituições e governos a definirem adequadamente o conceito do bem-estar, de modo a permitir o planejamento, a formação de parcerias e a promoção do desenvolvimento sustentável.

O processo que vai levar à criação do IRBEM reflete as premissas da iniciativa. Até 30 de setembro, o Movimento Nossa São Paulo está recolhendo contribuições dos cidadãos e organizações da sociedade civil, a partir de uma pesquisa “democrática e participativa”.

Os itens mais citados no questionário como os mais importantes para a qualidade de vida serão incorporados à pesquisa anual de percepção sobre a cidade, realizada em parceria com o IBOPE. A pesquisa vai checar qual é o nível de satisfação e valorização em relação aos itens mais citados no questionário.

“O IRBEM é um movimento da sociedade civil para a sociedade civil”, disse Grajew. Já é um começo.
http://mercadoetico.terra.com.br/arquivo/a-pobreza-que-enriquece-o-bolso-e-esvazia-o-espirito/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=mercado-etico-18/06/2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário