quinta-feira, 16 de julho de 2009

Da paz aos pontapés

Montserrat Martins*


Nelson Rodrigues dizia que o brasileiro tem “complexo de vira-lata”, quer dizer, se acha menos que outros povos, em sua identidade cultural, ao contrário dos argentinos, por exemplo. Basta ver uma variedade de emails que circulam por aí esculhambando... a nós mesmos. Uma notícia surpreendente, nesse ponto de vista, é a possibilidade de indicação do presidente do país para o Nobel da Paz.
Não existe um “Nobel do Esporte”, por isso nenhum brasileiro ganhou um Prêmio Nobel até hoje. Mas o brasileiro comum não se sente um Pelé, ou um Ayrton Senna, se sente como um “Valtão”, um zagueiro com pouco charme e muita disposição que entrou para o folclore do futebol. Está num livro do comentarista e ex-jogador Falcão a história deste humilde personagem que morava em Canoas e jogava no Cruzeiro de Porto Alegre. Pois aconteceu em 1960 que este clube, em excursão na Europa, enfrentou o Real Madrid, campeão do mundo daquele ano. O craque do Real era o badaladíssimo atacante Di Stéfano, uma espécie de “Cristiano Ronaldo” daquela época, que foi marcado justamente pelo Valtão. O jogo terminou em 0 x 0 e conta a lenda que Di Stéfano, indignado com os pontapés que recebia do zagueiro, encarou-o e disse: “Mira, chico, yo soy Di Stéfano, de España”. E o Valtão respondeu: “E eu sou o Valtão, de Canoas”.
Que o brasileiro tem uma “índole pacífica” é a própria comunidade internacional quem assinala, desde a própria criação da Organização das Nações Unidas, quando em 1947 Oswaldo Aranha, eleito presidente, inaugurou a tradição que se mantém até hoje, de ser um brasileiro o primeiro orador da Assembleia Geral da ONU. Não é de agora, portanto, que o Brasil tem uma postura diplomática muito respeitada e importante para a Paz entre as nações.
Mas em contraste com essa elegância e habilidade nas relações internacionais, no dia a dia os brasileiros não se veem como talentosos, nem como capazes, e isso é mais um entre os múltiplos fatores da violência urbana. Além das várias causas já conhecidas (déficit de investimentos em educação e em segurança, exclusão social, desestruturação familiar e drogadição), também a falta de autoestima pode contribuir para a violência. Quando não nos achamos capazes de driblar as adversidades e encontrar espaço para progredir no jogo da vida, apelamos para os pontapés.
Se cada povo tem um governo que o espelha – para o bem e para o mal – nosso presidente encarna todos esses contrastes. Elogiado por Obama e respeitado por vários outros líderes mundiais, tem dado declarações, internamente, de que o ex-presidente do país que comanda agora o Senado “não pode ser tratado como uma pessoa comum”. Como não, afinal não era esse o objetivo da democracia, termos todos os mesmos direitos e deveres? E que as instituições funcionassem, com liberdade de imprensa, para lutarmos contra a corrupção, como uma das prioridades nacionais? Pois a impunidade parlamentar não estimula a violência, na medida em que “o exemplo vem de cima”?
Seria uma honra para os brasileiros um Prêmio Nobel da Paz. Para superarmos nosso “complexo de vira- lata”, acreditarmos na nossa capacidade, habilidade, talento e elegância – e até mesmo para não sonharmos em subir na vida aos pontapés, ou em darmos pontapés na democracia.

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