quarta-feira, 1 de julho de 2009

A genética do estresse

Cientistas relacionam,
pela primeira vez,
gene
a eventos pós-traumáticos.

A explicação para o estresse pode estar nos genes. Pela primeira vez, um estudo relaciona a genética a eventos pós-traumáticos. E ajuda a explicar por que algumas pessoas se recuperam bem de uma experiência de violência enquanto outras sofrem muito mais. Ainda que preliminar, o estudo oferece novas esperanças para tratamentos não apenas para a versão mais severa do problema, mas também para a mais branda que, num momento ou em outro, acaba atingindo a todos que vivem um dia-a-dia tumultuado.
O estresse, em princípio, não é ruim. Trata-se de uma resposta primordial do organismo diante de um risco iminente. Por isso, sob estresse, liberamos hormônios que nos preparam para “lutar ou fugir”, um reflexo dos mais importantes para os nossos antepassados das savanas. Entre eles, o cortisol e a adrenalina que fazem o coração bater mais depressa, aumentam a pressão sanguínea, elevam os níveis de glicose no sangue, enfim, que preparam o corpo para uma resposta rápida. O estresse serve, claro, para escapar da ameaça ou combatê-la, mas seu acúmulo pode deixar marcas duradouras.
No caso de episódios extremos de violência ou abuso sexual, por exemplo, a resposta é ainda mais dramática, com marcas a longo prazo maiores.
Pesquisadores descobriram que variações específicas num gene relacionado ao estresse teriam influência direta sobre a resposta a traumas na infância — principalmente casos de abuso sexual e físico em crianças. Esta interação aumenta fortemente as chances de, na vida adulta, o indivíduo desenvolver sinais de estresse pós-traumático.
Entre adultos que enfrentaram abusos graves na infância, aqueles que apresentam uma variação específica do gene pontuaram quase duas vezes mais (31) numa escala pós-traumática, desenvolvida para a pesquisa, em comparação aos que não tinham a variante (13). Quanto mais grave o abuso, maior o risco em pessoas com a mutação genética.
O estudo realizado com 900 adultos está entre os primeiros a mostrar que os genes podem ser influenciados por fatores externos, não genéticos, que deflagrariam os sinais de um evento pós-traumático. E é também o maior a revelar indícios de influência genética no estresse pós-traumático.
— Já sabíamos há mais de uma década, por conta de estudos com gêmeos, que os fatores genéticos têm um papel importante na vulnerabilidade à ocorrência do estresse pós-traumático — afirmou Karestan Koenen, uma psicóloga da Universidade de Harvard que não participou deste estudo, mas desenvolve pesquisas na mesma área. — Mas, até agora, tivemos pouco sucesso em identificar variações genéticas específicas relacionadas ao maior risco do surgimento da desordem.
Os cientistas sugerem ainda que há períodos particularmente críticos durante a infância, em que o cérebro é mais vulnerável a “influências externas que podem moldar o desenvolvimento do sistema de resposta ao estresse”, afirmou o pesquisador da Universidade de Emory e co-autor do estudo Kerry Ressler.
O estudo, publicado na revista “Journal of the American Medical Association” (Jama), revela que, provavelmente, existem muitas outras variantes genéticas que contribuem para uma maior vulnerabilidade aos eventos de estresse pós-traumático. Alguns deles, arriscam os cientistas, podem estar ainda mais fortemente relacionados à desordem do que os estudados até agora.
Ainda assim, tanto Ressler quanto outros cientistas que não participaram do estudo, sustentam que os resultados são importantes e que outros avanços similares poderão levar ao desenvolvimento de testes que ajudem a identificar quem corre mais risco de desenvolver o problema. Tratamentos que incluem psicoterapia e drogas psiquiátricas poderiam ser adaptados para atender especificamente essas pessoas.
Os percentuais de pessoas que sofrem do problema costumam ser mais altos entre veteranos de guerra e pessoas que vivem em áreas extremamente violentas. Estudos feitos por ONGs em favelas cariocas, por exemplo, revelaram que os índices eram similares aos de pessoas que passaram por guerras ou foram vítimas de grandes tragédias naturais.
Quando o corpo avisa
Os sintomas costumam surgir logo após o evento e, normalmente, incluem terríveis lembranças do trauma. Os que apresentam o problema frequentemente sofrem de ansiedade debilitante, irritabilidade, insônia e outros sinais de estresse.
Thomas Insel, diretor do Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA, afirmou que o novo estudo é particularmente importante para ajudar no desenvolvimento de novas terapias.
Segundo o especialista, os resultados ajudarão a explicar as diferentes reações apresentadas por indivíduos que vivenciaram a mesma experiência traumática. Uma pessoa que testemunha uma explosão, por exemplo, pode simplesmente dizer “que teve um dia ruim e retomar as suas funções”, enquanto outra desenvolve sintomas de estresse paralisante. — E tal reação pode vir em ondas, atingindo a pessoa por meses e anos depois do episódio — afirmou Insel.
A maioria dos participantes do estudo americano era de homens negros, de baixa classe social, na faixa dos 40 anos. Eles responderam a um questionário sobre suas experiências na infância e na vida adulta, além de cederem amostras de saliva para o teste genético.
Cerca de 30% dos participantes contaram ter sofrido abuso sexual ou físico na infância. A maioria contou ter experimentado também algum tipo de trauma na vida adulta, como estupro, ataque com arma e outros tipos de violência. Pelo menos 25% deles apresentavam sintomas de estresse pós-traumático.
(Reportagem do O SUL, 28/06/2009, pg.4)

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