sábado, 4 de julho de 2009

O limbo da libido

Joaquim Motta*
Os anos são implacáveis com o físico das pessoas. Há aquelas que ainda podem revolucionar o corpo, outras estão cerceadas a funcionar apenas com metâmeros, as fatias corporais. O lado concreto da vida sobrevive dentro dos limites.
Os espíritos prosseguirão suas viagens metafóricas, idealizarão sonhos e fantasias, uns criando expectativas, outros mais acautelados nos temores. O setor abstrato da existência não se submete a fronteiras.
A pessoa mais experiente que mentaliza apenas a própria idade, atrofia o corpo e não flexibiliza a alma, fecha qualquer questão, convencida de que definitivamente caracterizou as qualidades e os defeitos de tudo, restringindo os panoramas existenciais a padrões duros e desgastados. Para ela, as histórias se resumem em ruínas: o passado subsiste, o presente não resiste e o futuro desiste.
Aquele que além de armazenar experiência exercita o corpo e conserva o espírito aberto, segue questionando, movimenta-se entre a infância, a juventude e a maturidade, inclinado aos horizontes novos e dinâmicos. Para ele, os escombros são peças de restaurações: o passado persiste, o presente insiste e o futuro existe.
Só o amor e a verdade nos libertariam dos vícios culturais que se perpetuam pelos tempos e comprometem o nosso entrosamento físico e moral, adiando a paz e a fruição do prazer. Mas toda referência verdadeira parece embutir alguma inconveniência, pois nós assistimos ao predomínio da mentira em muitas circunstâncias importantes. A hipocrisia e o cinismo têm se reciclado largamente ao longo dos tempos, apesar dos esforços hercúleos das pessoas virtuosas que os combatem.
Essas lutas são muitas vezes apontadas como ingenuidade e não como virtude. Porém, insistir na verdade e no amor projeta a possibilidade de uma boa evolução do ser humano, para seus corpos e espíritos.
Uma criança sorri bem mais do que um adulto, no decorrer de um dia. Ela aproveita os benefícios dos sorrisos e autenticamente expressa a verdade, sem regras de polidez fingida ou anseios de manipulação de enredos. Parece que isso incomoda muito os adultos, pois essa espontaneidade natural não é reforçada pela educação trivial.
Desde os exemplos domésticos, passando pelas normas escolares, dogmas de catecismos, destaques da mídia e outros domínios socioculturais, temos combatido a ingenuidade e a autenticidade das crianças. Conscientes ou não dessa crueldade, pais, educadores, profissionais de saúde, líderes e multiplicadores vamos convertendo-as em pessoas cínicas e hipócritas. À medida que elas crescem, ao invés de mantermos e estimularmos a naturalidade, a inocência da franqueza, a sinceridade afetiva, nós a “educamos” para a artificialidade, a malícia e a esperteza perversa!
Esse horizonte piora ao abordarmos o sexo. A Revolução Sexual dos anos 60 não se “completou”, deixando um vazio que deturpa os amores. O corpo livrou-se da repressão moralista mas não se encontrou resolutivamente com a alma.
O exercício banal do sexo é uma das dispersões. O encontro erótico que se repete frívolo e sem originalidade acrescentaria apenas mais um espasmo orgástico no currículo pessoal dos pares. É um deleitoso prazer carnal, mas se não promove também um regozijo espiritual, representa pouquíssimo.
Entre o céu da experiência inteira, carne e espírito fruindo do prazer do encontro, e a satisfação parcial restrita ao corpo, o desejo vacila. Esta indefinição é um verdadeiro limbo.
Aquele conceito tradicional que a Igreja sustentou por séculos é cabível na circunstância: é onde se refugia uma alma atormentada pela insegurança moral.
Tiremos a libido do limbo, contemplando o amor e o erotismo com atitudes livres e espontâneas. Não nos enganemos quando temos apenas a troca carnal a compartilhar e não escondamos a revelação afetiva quando a alma nos inspirar.
*Joaquim Zailton Bueno Motta é psiquiatra e sexólogo
http://cpopular.cosmo.com.br/mostra_noticia.asp?noticia=1641496&area=2190&authent=85425DB05D9DD2BDD06522650FEA2F

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