domingo, 12 de julho de 2009

O papa não confia no homem

Gianni Carta

Intitulada Caritas in veritate, a terceira encíclica do papa Bento XVI foca nos grandes problemas provocados pela globalização na vida do homem, “o primeiro capital a salvar e a valorizar”. Oportunamente divulgada na terça-feira 7, às vésperas da cúpula do G-8 em L’Aquila, na Itália, Caridade na Verdade é uma encíclica social – mas está longe de ser revolucionária.
Há mais de um século a Igreja Católica busca a justiça social em prol do “bem comum”. Em 1891, Leão XXIII publicava Rerum novarum, texto, este sim então revolucionário, o qual, na alvorada do capitalismo industrial, estimulava o desenvolvimento de um sindicalismo cristão. Mais recentemente, em 1991, o conservador João Paulo II divulgou Centesimus annus, encíclica nada revolucionária na qual o papa reconheceu aspectos positivos na economia de mercado – que visaria ao bem comum. A encíclica Cem Anos foi publicada logo após o colapso da União Soviética.
Caritas in veritate surpreende porque revela um Joseph Ratzinger mais complexo do que se supunha: arguto, compreensivelmente tendencioso (a favor de ideias da Igreja Católica), e ideologicamente confuso. Arguto porque reconhece que os percalços da globalização não são inerentes ao mercado globalizado em si. Os percalços nascem da natureza do homem, este marcado pelo “pecado das origens”. E este é um ponto fundamental na terceira encíclica do alemão Ratzinger: o homem, de forma geral, é inconfiável. Tal percepção é válida do ponto de vista do crente (que acredita no “pecado das origens”), do político conservador ou liberal.
Na verdade, essa capacidade de compreender a essência do homem por parte do papa não surpreende. Ratzinger, de 82 anos, é catedrático de alto calibre. Embora não tenha o carisma de seu antecessor, e tenha expressões faciais um tanto sinistras, ao longo dos anos produziu dezenas de livros e fez inúmeras eloquentes conferências.
Bento XVI fornece, para ilustrar os limites do homem, exemplos para detalhar algumas lacunas do ser humano. Por exemplo, o empresário para o qual “o lucro torna-se seu objetivo exclusivo, e se (o lucro) for produzido por meios impróprios e sem o bem comum como fim principal, arrisca destruir a riqueza e criar pobreza”. A pobreza, por sua vez, afeta as democracias. Os poderosos das finanças, acrescenta Ratzinger, precisam “redescobrir o genuíno fundamento ético de suas atividades”.
A questão parece simples. Mas está longe de sê-lo. A pessoa ligada às finanças visa, óbvio, o lucro. Ela pode ou não ser ética em suas operações. O mesmo se aplica ao político conservador, de centro ou de esquerda. Mas o homem, com as claras exceções, falhou no capitalismo, no comunismo e na religião. Basta ver o atual estado do capitalismo mundial, o colapso do comunismo e o decrescente nível de religiosos praticantes.
E aqui chegamos ao segundo ponto acima mencionado: o papa é tendencioso. Ele precisa, claro, defender as doutrinas do Pontificado e seus 2 mil anos de existência. Um ser avaro pode corrigir suas fraquezas, ou improbidades, buscando valores espirituais, e principalmente aqueles cristãos, nos diz Ratzinger. O papa acrescenta: “O ateísmo subtrai dos cidadãos a força moral ou espiritual para se engajar a favor do desenvolvimento humano”. O papa indaga, já implicitamente dando sua resposta: “Um humanismo sem Deus é possível?” Isso significa que um homem ateu ou agnóstico, ou simplesmente não praticante, não pode ter força moral ou espiritual?
O terceiro ponto de Caritas in veritate, já citado acima, chama atenção: a confusão ideológica do papa. Antes de adentrar o campo social de reformas pedidas por Bento XVI, vale colocá-lo no seu contexto histórico. Já no número especial de quinze anos de CartaCapital, publicado em 27 de maio, recordamos quem é Ratzinger. Ex-líder da Congregação para a Doutrina da Fé (antiga Inquisição) a partir de 1981 sob João Paulo II, o alemão praticamente varreu do mapa católico a Teologia da Libertação, que pregava na América Latina uma Igreja voltada aos humildes e explorados.
Obs.: O texto completo encontra-se na revista impressa CARTA CAPITAL 15/07/2009, pp.50-51.
http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=9&i=4559

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