sexta-feira, 31 de julho de 2009

O poder e o perigo das massas

Entrevista com Andrea Cavalletti*


Por que falar, hoje, de classe? Ela desapareceu da cena política e teórica que a havia mantido firmemente por mais de um século. Desde que Marx viu no conflito entre as classes o motor da história, fileiras de políticos e estudiosos (não só marxistas) consideraram os operários, o proletariado urbano, como os heróis do progresso e das mudanças sociais, objeto também de uma poderosa mitologia (a "rude raça pagã" de Mario Tronti). As transformações da economia das últimas décadas deram um fim a tudo isso e deixaram a palavra "classe" sozinha na boca de alguns irremediáveis nostálgicos.
Eis que, pelo contrário, um filósofo de 40 anos, Andrea Cavalletti, dedica um livro ao tema, intitulado justamente "Classe" (Editora Bollati Borighieri, 160 p.). Que não tem nada de "retrô" e contém, pelo contrário, uma perspectiva inédita que ilumina de modo surpreendente também o nosso presente, deixando para trás os textos da tradição econômica e sociológica e adotando, ao invés, os instrumentos conceituais da filosofia, da literatura e da psicologia.Cavalletti nasceu em 1967, estudou urbanística com Bernardo Secchi, filosofia com Giorgio Agamben, ocupou-se do estudioso do mito Furio Jesi, editando algumas de suas obras. Depois de um longo período na Alemanha, hoje ensina estética na Universidade IUAV de Veneza [Instituto Universitário de Arquitetura de Veneza] e vive em Bolonha.
Eis a entrevista.
Professor Cavalletti, dedicar um livro hoje à classe pode parecer uma operação quase bizarra.
Com efeito, é uma palavra "impronunciável". Mas aqueles que, depois de tanto uso, a abandonaram por vergonha, arrependimento, embaraço também a libertaram para um novo uso que não é mais ideológico. Eu parti de uma nota de Walter Benjamin que me pareceu de uma atualidade fulgurante, na qual ele defende que é a solidariedade que transforma a massa informe em classe revolucionária.
O que significa?
A massa é mantida unida por sentimentos como a inimizade e o medo. A solidariedade rompe esse mecanismo e cria a consciência de classe. Vice-versa, quando esta não existe, só existe a massa indistinta pequeno-burguesa, a multidão perigosa.
Por que o senhor julga essa intuição tão importante?
Benjamin escreveu isso em 1936. O seu texto inverte todas as definições que queriam ancorar a classe operária no dado sociológico ou econômico. E também a ideia de Lukács que identificava a consciência de classe na consciência do processo histórico. A data é decisiva, pela lucidez com que Benjamin se dá conta de que justamente aquelas massas que deveriam assegurar a marcha rumo à revolução proletária dão vida, pelo contrário, a um agregado criminoso que leva ao nazismo. Ainda em 1936 sai o filme de Fritz Lang, "Fúria". Há uma cena crucial, quando os habitantes da cidade veem a filmagem que os faz recuar enquanto tentam linchar Spencer Tracy. E se assustam consigo mesmos quando agem como uma multidão.
Por que tudo isso também é de grande atualidade?
Pode-se ler naquela nota: "As manifestações da massa compacta revelam sempre um pânico tenso, independentemente se nele se expressa o entusiasmo bélico ou o ódio pelos judeus". E, acrescenta, a multidão está sempre latente. Como não pensar nessas palavras quando lemos notícias como a dos coquetéis molotov lançados contra um campo nômade em Nápoles? Hoje, essa multidão perigosa, me parece, é o verdadeiro espaço da política, habitada como ela é por uma força que pressiona por dentro com as rondas e por fora com as rejeições aos imigrantes.
Uma sociedade que se sente "sob assédio".
Estamos diante de uma pequena burguesia "ilimitada", não ligada à economia da produção, mas sim aos mecanismos de financiamento dos consumos, que reage não tanto quando sente ameaçadas as bases materiais da existência, a subsistência, mas sim quando é colocado em discussão o modelo de vida complexo que se manifesta, justamente, no consumo e no tempo livre.
E a crise econômica está destinada a agravar essas inseguranças ou a colocar esse modelo em crise?
Naturalmente tudo se torna mais duro em tempos de crise. E a reação do indivíduo poderia soar assim: vocês me ensinaram a ter medo de tudo, e o desastre financeiro e econômico do qual vocês têm a responsabilidade me assusta ainda mais. De qualquer modo, portanto, estimular a percepção de um perigo sempre pronto a atacar, a técnica usada para manter as massas em um perene estado de multidão (com a ilusão de controlá-las), pode se voltar contra quem o coloca em prática.
O senhor destaca a importância da relação entre a massa e o líder.
A multidão não precisa de um chefe. Aqui, Benjamin também vê muito bem as mudanças em curso e explica que o novo político não é o parlamentar tradicional, mas um homem que "deve estar diante das câmeras". Antes dele, autores como Le Bon haviam visto só a manobrabilidade das massas por parte dos líderes. A novidade da sua análise está em compreender que a influência é recíproca.
Fala-se de sugestão.
É o conceito chave. A multidão é sugestionável, mas, por sua vez, quem a guia também o é e, ao invés, acaba muitas vezes por satisfazê-la. A figura do demagogo já tinha preocupado diversos autores. Bernheim falava de um "imbecil instintivo" que sempre precisou de uma roda de fiéis. Tarde havia indicado o palhaço carismático.
Figura que podem ser encontradas no presente?
Talvez, mas eu vejo, de todo modo, duas novidades substanciais. O mecanismo de sugestão e de autossugestão é tão desenvolvido que a política hoje pertence àqueles que se convencem daquilo que dizem. Depois, a multidão é modelada pelo "encanto da empresa". O estilo de sugestão dominante em toda a sociedade é o empresarial. A consequência natural é que o líder seja um empresário, como Berlusconi.
A massa e a multidão são o destino inexorável da sociedade contemporâneo ou há alguma esperança?
A atualidade da multidão e a da classe são a mesma coisa. A solidariedade que transforma uma na outra é só uma possibilidade, mas ela sempre existe. O fato de que algumas pessoas dediquem o seu tempo livre aos direitos dos imigrantes ou que outros entrem em greve pelos trabalhadores temporários (talvez contra os seus próprios interesses) está ali demonstrando isso.
Mas não se trata de algo que apresenta o risco de se limitar ao testemunho sem provocar qualquer mudança?
Mesmo só o testemunho de um modo de vida diferente do dominante é importante. Insisto no fato de que quem faz essas escolhas as faz por prazer, por amor à vida, e não por um "sacrifício bondoso", uma exigência moral abstrata. É a prova de que existem exigências irredutíveis que não devem ser satisfeitas pelo dispositivo social em que vivemos. E que, nesse mecanismo, abrem-se rachaduras.
*A reportagem é de Leopoldo Fabiani, publicada no jornal La Repubblica, 30-07-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
IHU/Unisinos, 31-07-2009

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