quarta-feira, 22 de julho de 2009

"Somos todos CYBORGS"

O celular e o computador já são parte
de nossa mente, diz o filósofo.
No futuro, serão implantados no corpo


Embora use computador e um iphone, o filósofo britânico Andy Clark, de 51 anos, diz ser um adepto de lápis e papel para escrever seus trabalhos. Mesmo não sendo grande fã de novas tecnologias, ele se considera um cyborg. Não igual aos de filmes de ficção, que incorporam sistemas eletrônicos ao corpo para aumentar a capacidade de pensar ou o alcance dos sentidos. Clark diz ser um cyborg na medida em que todos os seres humanos são. De acordo com sua teoria, nascemos com a capacidade de criar dispositivos para guardar informações e para processá-las fora do cérebro. Por isso, a mente de cada pessoa estaria espalhada pelos cadernos, arquivos de computador e aparelhos de celular usados no dia a dia. “A mente extrapola nosso corpo. Está difusa pelo mundo”, diz.
ÉPOCA – O que o senhor quer dizer quando afirma que somos cyborgs?
Andy Clark – Nós já somos um pouco cyborgs. Não aqueles de ficção científica, que são feitos de uma mistura de tecido biológico com sistemas computacionais de última geração. Não temos fios e microchips em nosso corpo nem nosso cérebro funciona como um computador. Somos cyborgs por natureza no sentido de que temos uma simbiose com a tecnologia, uma interação muito estreita com dispositivos que inventamos para facilitar nossa vida. Da mesma maneira como você pode incorporar a seu corpo uma estrutura para funcionar como parte dele – é o que acontece quando você se torna muito bom em usar uma raquete de tênis, por exemplo –, podemos usar dispositivos que aumentem nossa capacidade mental. Nós criamos sistemas para que o cérebro tenha o menor trabalho possível.

ÉPOCA – Como acontece esse processo?
Clark – Incorporamos a tecnologia em nossa maneira de processar informações e adquirir conhecimento. É uma incorporação cognitiva. Acontece com todos os recursos tecnológicos – dos mais antigos, como o papel e o lápis, até os mais modernos, como os computadores e o iPhone. Todos esses recursos nos dão a possibilidade de armazenar informações sem depender exclusivamente de nossa memória. Ao anotar uma lista de compras em um papel, você sabe que terá acesso àqueles dados mesmo que não se lembre deles de cabeça. É a mesma coisa com um celular. Hoje, a maior parte das pessoas não sabe de cor os números de telefone dos amigos. A agenda do celular faz isso para você. Uma câmera fotográfica pode ser entendida como uma extensão de nossa percepção. Todos esses dispositivos se tornam parte de nossa mente. As fronteiras entre o mundo e a mente são muito mais flexíveis do que se pensava.

ÉPOCA – Isso significa que a mente não fica no cérebro?
Clark – A mente não está localizada em um lugar. Ela é resultado do funcionamento de sistemas físicos e químicos de nosso cérebro, em uma interação com outros equipamentos que ajudam a aumentar nossa capacidade mental. Talvez a melhor analogia seja com a contagem do tempo. Ela não fica no relógio, é algo que o relógio faz. Entender a mente como algo que fica dentro do cérebro, como o centro de inteligência, é uma visão limitada. A mente extrapola nosso corpo, está difusa pelo mundo.

ÉPOCA – Como saber se um equipamento já se tornou uma extensão da mente?
Clark – Um objeto se torna parte de sua mente quando você consegue usá-lo facilmente, quase sem pensar. Quando você usa uma caneta, não precisa pensar que a está segurando na mão. Você foca na tarefa que está fazendo, vê além da caneta. Não é fácil dizer quanto nosso cérebro é responsável por um trabalho que fazemos usando livros, computador e internet. O importante é que o cérebro nos impulsiona para criar esses objetos e usá-los como extensão de nossa mente.

ÉPOCA – Por que algumas pessoas usam eletrônicos com facilidade e outras não? A habilidade de expandir a mente varia entre as pessoas?
Clark – Pense na primeira vez que você usou papel e caneta. Certamente, foi difícil segurar a caneta corretamente e escrever de maneira adequada na página. Com treino, isso se tornou quase automático. O mesmo acontece com as novas tecnologias. Para pessoas que têm muitos compromissos, precisam responder a mensagens eletrônicas de qualquer lugar, assim como ter acesso a documentos digitais, usar um desses computadores de bolso, como um Palm, um iPhone ou outro smartphone, torna-se importante para dar conta da rotina. Com o uso frequente desses equipamentos, é provável que a pessoa desenvolva circuitos cognitivos expandidos. Ela integra esses dispositivos a sua mente. Uma pessoa pode ser mais ou menos boa em criar essas extensões cognitivas de acordo com a demanda que lhe é feita para que exercite essa habilidade. Mas essa é uma capacidade básica a todos os humanos.

ÉPOCA – Por que só humanos têm essa habilidade?
Clark – Outros animais também conseguem usar objetos como um complemento de sua mente. Algumas espécies usam pedras ou marcas na areia para guardar um caminho. Mas só os seres humanos desenvolveram essa habilidade de forma tão sofisticada. A linguagem foi responsável por transformar nossa capacidade de guardar informações e de organizar nosso pensamento. Formas simples de linguagem tornaram possível começar a criar essas estruturas cognitivas expandidas, o que deu à linguagem uma oportunidade de se desenvolver ainda mais. Ter linguagem é o que explica por que os humanos são os animais com a maior capacidade de se tornar cyborgs.

ÉPOCA – O mundo está cada vez mais tecnológico. Esses novos dispositivos mudaram o comportamento humano?
Clark – Nós somos capazes de resolver problemas que não conseguíamos antes: administrar empresas gigantescas, como multinacionais, graças a sistemas eficientes de computação e comunicação. Até em nossa vida individual somos capazes de nos engajar em mais compromissos, de manter contato com muito mais pessoas do que podíamos antes. Essas mudanças estão acontecendo em um intervalo pequeno de tempo, em uma questão de gerações. E, se olharmos adiante, veremos mudanças ainda maiores.

ÉPOCA – Com o desenvolvimento tecnológico, é provável que cada vez mais uma porção maior da mente seja guardada fora do cérebro?
Clark – A cada nova geração temos à disposição uma variedade ainda maior desses dispositivos que usamos para armazenar informações e aumentar nossa capacidade mental. E a criação desses equipamentos é cada vez mais rápida. É possível que no futuro algumas tecnologias sejam implantadas em nosso corpo, algo como ter um celular implantado. Será como ter os números guardados na agenda do telefone armazenados em um compartimento de nosso cérebro. Quando precisarmos deles, iremos lá e os acessaremos automaticamente. É claro que nunca será como se fosse nossa consciência. A grande diferença é que as rotas de comunicação com as tecnologias vão se tornar mais diretas.

ÉPOCA – Isso será bom ou ruim para nossa vida?
Clark – Poderemos resolver ainda mais problemas, dar conta de mais projetos ao mesmo tempo. Espero que alguns desses recursos tornem a vida mais fácil. Mas não parece que isso vai acontecer. Provavelmente, teremos ainda mais trabalho.

Reportagem de MARCELA BUSCATO - Revista ÉPOCA 29 de junho de 2007 Nº 580 pp.114-115.
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI79112-15224,00-SOMOS+TODOS+CYBORGS.html

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