quarta-feira, 30 de setembro de 2009

As emoções também são herdadas

Claudio Ibáñez*


Os acadêmicos e pesquisadores passaram a dar importância às emoções apenas na segunda metade do século XX. O predomínio racionalista na concepção do ser humano,mais a visão das emoções como as antípodas do racional, fez com que elas fossem entendidas como respostas de segunda classe que debilitavam o funcionamento das pessoas. Não foi Daniel Goleman que cunhou o termo "inteligência emocional", mas foi seu livro homônimo publicado em 1995 que recolheu, integrou e ajudou a difundir trabalhos e pesquisas que mostravam que emoção e razão se encontram estreitamente relacionadas e que quando as emoções não funcionam adequadamente, mesmo com as habilidades intelectuais intactas, deteriora-se o desempenho das pessoas em diferentes âmbitos (tomada de decisões, relações interpessoais, trabalho, criação, rendimento acadêmico).

Na atualidade, a pesquisa científica sobre as emoções é um dos campos mais ativos e prolíficos. Atrai a atenção não só de psicólogos, mas também de pesquisadores de diversas disciplinas, como neurocientistas, biólogos, sociólogos e economistas. As inúmeras publicações, revistas e livros especializados sobre o tema constituem uma verdadeira eclosão no mundo científico e acadêmico.
As emoções são respostas complexas que convergem para os componentes mentais, fisiológicos e motores. O elemento mental vivencial de cada uma delas é o que se conhece como sentimento. Isto pertence ao mundo privado interno, que dá acesso apenas a quem o experimenta (a não ser, claro, que a pessoa comunique o que está sentindo). No outro extremo, por assim dizer, as emoções possuem uma vertente pública, exposta para o exterior. Esta vertente aberta ao mundo está integrada por respostas fisiológicas e motoras; é o que se conhece como expressão emocional, na qual o rosto desempenha um papel principal.

O componente expressivo das emoções é fundamental para a adequada comunicação e interação social. Sendo assim, é necessário que os cônjuges tenham algumas pistas a respeito do estado emocional de seu parceiro para iniciar, manter ou terminar uma conversa. Do mesmo modo, é essencial que o subordinado possa ter indícios do estado emocional de seu chefe e fazer uma leitura correta dele… principalmente se for pedir um aumento na remuneração. Um professor na sala deve perceber se os alunos estão entusiasmados ou aborrecidos com sua aula. Enfim, só podemos consolar alguém se soubermos que essa pessoa está triste, só podemos dar segurança e apoio se percebermos que a pessoa está com medo. Tudo isto é possível graças ao componente expressivo das emoções.

Trabalho pioneiro incompreendido

O trabalho pioneiro e fértil, o mais completo até hoje, sobre a expressão das emoções é o livro de Charles Darwin A expressão das emoções no homem e nos animais. Publicado pela primeira vez em 1872, é muito menos conhecido do que A Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural. Uma segunda edição de A expressão das emoções… viu a luz em 1889, sete anos depois da morte de Darwin, publicado por seu filho Francis. Nos anos seguintes fizeram nova tiragem da primeira edição, mas na verdade permaneceu esquecido por longo tempo. Até hoje, são poucos os que sabem de sua existência.

O interesse deste cientista esteve estreitamente relacionado com a busca de argumentos adicionais para sustentar sua teoria da evolução. Por um lado, se as emoções existem tanto nos animais como no homem, Darwin acreditou que isto era uma poderosa evidência a favor da continuidade das espécies ("certas expressões humanas, como o cabelo eriçado diante de um terror extremo ou o mostrar os dentes durante uma raiva furiosa, dificilmente poderiam ser entendidos sem supor que o homem existiu uma vez em condição animal"). Por outro lado, se as expressões emocionais são universais, isto é, expressam-se do mesmo modo, independentemente da raça, então haveria um respaldo concreto para seu postulado de que os homens descendem de um antepassado comum.

Para estudar a expressão das emoções, Darwin utilizou seis diferentes fontes de informação: a observação das crianças ("já que exibem grande variedade de emoções com força extraordinária"); a dos doentes mentais ("exibem as paixões mais fortes"); as fotografias que o médico Guillaume Duchenne, famoso neurologista francês, obtivera de seus estudos de galvanização de certos músculos faciais; os trabalhos dos grandes mestres da pintura e da escultura ("são agudos observadores"); o estudo das expressões emocionais em diferentes raças (para isso enviou questionários a missionários, amigos e cientistas nas colônias britânicas da época), e, finalmente, a expressão das emoções nos animais mais comuns. Todo o material reunido, as observações, suas descrições, comparações e conclusões estão em seu livro A expressão das emoções..., obra de quase quatrocentas páginas, mas de fácil leitura, escrita de forma compreensível; interessante e profusamente ilustrada com sessenta e duas imagens entre desenhos, fotos e lâminas. Com brilhantes, perspicazes e detalhadas descrições da forma em que os animais e as pessoas expressam suas emoções, este texto confirma o que Darwin dizia de si mesmo: "Não sou muito engenhoso e minha capacidade para seguir um curso de pensamento longo e abstrato é muito limitada… No entanto, sou melhor do que pessoas comuns para fixar-me em coisas que escapam facilmente da atenção e observá-las cuidadosamente".

Nenhum pesquisador de emoções utilizou tal variedade de métodos como o fez Darwin. No entanto, boa parte de seus dados eram episódicos e muitas de suas observações indiretas, pois correspondiam a informações de terceiros. Estes aspectos de seu trabalho dificultaram que seus antecedentes fossem tomados como evidências suficientes para suas conclusões. Se ao anterior for somado certo antropomorfismo, atribuído ao seu livro, explica-se que A expressão das emoções... permanecesse relegado a um segundo plano na bibliografia darwiniana.

Deve-se acrescentar um fato não menos importante. Na primeira metade do século XX, como resultado do estudo de diferentes culturas exóticas, ganhou força o relativismo cultural. Grandes antropólogos, como Gregory Bateson, Ray Birdwhistell e Margaret Mead, sustentavam que a cultura moldava a natureza humana a ponto de que os comportamentos das pessoas se tornassem próprios e específicos de cada cultura, e que as emoções não ficam alheias a este impacto. Em conseqüência, as emoções não se expressam da mesma forma em todas as culturas. Sendo assim a antropologia cultural contradisse radicalmente, a universalidade das emoções sustentada por Darwin no século XIX.

Condicionante cultural?

Nos últimos anos da década de 1950, um jovem psicólogo da Universidade de São Francisco, Califórnia, chamado Paul Ekman, interessou-se pelas expressões emocionais devido ao potencial que viu nelas para revelar o que as pessoas não mostram através das palavras. Aprofundando o tema, encontrou-se com a controvérsia que se arrastava quase por um século neste campo: a expressão das emoções depende da cultura ou é mais bem herdada e, em conseqüência, universal? A possibilidade de resolver esta disjunção o apaixonou.

Em 1966 iniciou suas primeiras pesquisas sobre a expressão das emoções. Inclinado, como estava, a favor do relativismo antropológico, sua expectativa era demonstrar o erro de Darwin. Produto do rigor metodológico e observacional adquirido em sua formação behaviorista, Ekman decidiu melhorar a metodologia, ferramentas e procedimentos utilizados por Darwin e ampliar a cobertura de suas observações. Reuniu informação de forma direta, sistemática e extensa em países de diferentes latitudes e continentes, tais como o Chile, a Argentina, Brasil, Japão, China, Inglaterra, Etiópia, Turquia, Malásia e Papua Nova Guiné; de culturas alfabetizadas e analfabetas, e daquelas expostas e não expostas à televisão. Tomando todos os cuidados para não influenciar suas respostas, exibiu fotos de rostos aos habitantes de muitos destes países para que dissessem que emoções expressavam. Sua surpresa foi maior quando os resultados das pesquisas de campo e de laboratório, realizadas por ele, terminaram por convencê-lo de que Darwin tinha razão e não os antropólogos culturais. Paul Ekman publicou suas descobertas em prestigiosas revistas científicas e estas agora são consideradas evidências concretas de que emoções são universais e não dependentes da cultura. Embora possa influenciar na expressão pública delas, através das denominadas "regras de exibição", existe um sólido respaldo científico de que as expressões são universais. Esta universalidade é o que nos permite, como diz Ekman, que as pessoas possam compreender-se através das gerações, entre as culturas, na intimidade e com estranhos. A expressão das emoções é uma linguagem universal.

O interesse primordial de Darwin neste tema não foi colocado no valor evolucionário das expressões assinaladas. Não obstante, foi sua teoria da evolução que permitiu explicar por que as emoções, tanto positivas como negativas, mantiveram-se até nossa espécie como respostas tão importantes e centrais. As emoções negativas, como o medo, a ira e o asco, possuem um valor adaptativo evidente, diante das ameaças e emergências, contribuindo assim à sobrevivência. Já que o valor evolucionário das positivas é menos evidente e mais mediato, levou mais tempo para descobrir. Emoções como a alegria, a serenidade, a gratidão ou solidariedade aumentam os aspectos físicos, psicológicos e sociais das pessoas, fortalecem os laços entre os indivíduos e reforçam a participação em grupos, tudo o que, por inumeráveis razões, torna mais provável a sobrevivência a médio e longo prazo. De acordo com opinião de Barbara Fredrickson, psicóloga da Universidade de Stanford, esta forma de ver as emoções positivas resolve o mistério evolucionário delas. Provavelmente isto foi o que Darwin vislumbrou nelas quando, na Descendência do homem, afirma que a "empatia foi uma poderosa ajuda para a sobrevivência".

Emoções humanas no mundo animal

O trabalho de Darwin não só influenciou o estudo das emoções no ser humano, mas serviu como base, também, para seu estudo no mundo animal. Notáveis etologistas, como Konrad Lorenz, Nicolás Timbergen e Jane Goodall, se aprofundaram no comportamento do mundo animal e autores mais recentes, como Marc Bekoff, da Universidade de Colorado, estão dedicados diretamente à observação das emoções em animais. E não só o estudo das emoções "animais" em si, como a raiva e o medo, mas as emoções "mais humanas" no mundo animal, como a empatia, o altruísmo, a cooperação, a solidariedade, sofrimento e a alegria.

Paul Ekman aprofundou e complementou o trabalho produtivo de Darwin e, atualmente, é reconhecido como o pesquisador de referência mundial, quanto à expressão das emoções. No entanto, este pesquisador reconhece em Darwin o mérito de ter sido o primeiro a argumentar que as emoções não são respostas exclusivamente humanas e a demonstrar a universalidade de suas expressões.

A terceira edição de A expressão das emoções… foi publicada recentemente, em 1998 (Oxford University Press), cento e vinte e seis anos após sua publicação original, graças a Ekman. Com Introdução, Prefácio, Epílogo e comentários deste pesquisador, essa reimpressão constitui um real tributo a Darwin. Ekman revisou meticulosamente a correspondência e os arquivos da época, assim como os registros, anotações e mudanças que o próprio naturalista inglês fizera em sua cópia pessoal da primeira edição e que pensava incorporar à segunda. Sua morte, em 1882, impediu-o de fazer. Ekman juntou todo este material à terceira edição, o que faz com "que este livro possa ser considerado o definitivo, pois contém as mudanças que Charles Darwin desejara", diz Ekman.

No bicentenário de seu nascimento, parece oportuno destacar que o legado de Darwin à humanidade e à ciência não se limita à teoria da evolução, mas atinge aspectos tão centrais das pessoas e da sociedade como são as emoções, antecipando em mais de um século o que a moderna psicologia têm confirmado sobre elas.

*Claudio Ibáñez - SPsicólogo, diretor executivo do Instituto Chileno de Inteligência EmocionalFonte: Mirada Global http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=13438&cod_canal=42

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