terça-feira, 22 de setembro de 2009

Contra o autoritarismo

Moacyr Scliar*

No impressionante filme A Onda (Die Welle), um professor de Ensino Médio propõe-se a explicar a seus alunos o surgimento do totalitarismo, e o faz mediante uma espécie de dramatização, que escapa a seu controle e acaba tornando-se real. Surge entre os jovens um movimento chamado A Onda, que, com seus códigos e rituais, evoluirá com crescente violência até o trágico final. A história baseia-se em fato acontecido em 1976 numa escola da Califórnia, e lembra dois famosos experimentos.
O primeiro, conduzido pelo psicólogo da Yale University, http://en.wikipedia.org/wiki/Yale_University Stanley Milgram, teve início em 1961, logo depois do julgamento do criminoso de guerra nazista Adolf Eichmann. Em sua defesa, Eichmann insistia em dizer que estava apenas “cumprindo as ordens”, o que levou Hannah Arendt a falar na “banalidade do mal”. Milgram se propôs a averiguar uma questão crucial: até onde uma pessoa vai quando cumpre ordens? Para tanto, contratou pessoas que, mediante um gerador elétrico, deveriam dar choques de crescente intensidade num “cobaio” humano. Na realidade, o gerador não dava choque algum; o “cobaio”, vivido por um ator, simulava ser a vítima dos supostos choques gritando de dor. Apesar disso, o condutor do experimento mandava que as pessoas continuassem acionando o aparelho e aí as respostas variaram. Alguns desistiam, inclusive abrindo mão do pagamento, mas 26 dos 40 participantes chegaram ao “limite” de 450 volts, mostrando que realmente a disposição de cumprir ordens ultrapassava o senso de compaixão.
O segundo experimento foi conduzido em 1971 pelo professor de psicologia Philip Zimbardo na Stanford University (Califórnia). Estudantes de graduação foram escolhidos para, ao acaso, desempenhar os papéis de guardas e prisioneiros, numa “prisão” instalada no porão da universidade. Os jovens rapidamente adaptaram-se a seus papéis, a ponto de um terço dos “guardas” ter exibido conduta francamente sádica, causando grande sofrimento aos “prisioneiros” e fazendo com que o experimento fosse encerrado.
O trabalho foi considerado por muitos como pouco ético e pouco científico. De qualquer modo, serve como indicativo das sombrias forças presentes no ser humano e que ocasionalmente vêm à luz, como aconteceu na prisão de Abu Ghraib, no Iraque, na qual prisioneiros foram torturados e humilhados por soldados americanos.
Conclusão: todos temos dentro de nós, em nosso inconsciente, um verdugo em potencial, que espera apenas um pretexto para torturar o prisioneiro que, por essas ambivalências da natureza humana, também habita o nosso íntimo e que projetamos em outras pessoas – às vezes aquelas a quem amamos.
*Escritor. Médico. Colunista.
ZERO HORA, 22/09/2009

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