domingo, 6 de setembro de 2009

Filosofando sobre o amor

Moacyr Scliar*

Acabo de ler um livro muito interessante: Os Filósofos e o Amor, recém-lançado no Brasil pela editora Agir. As autoras, Aude Lancelin e Marie Lemonnier, são jornalistas francesas (do ótimo Le Nouvel Observateur), especialistas em filosofia. Conhecem o assunto profundamente, mas escrevem sobre ele de maneira acessível, atraente, apaixonada até, eu diria. O curto livro (pouco mais de 200 páginas) cobre boa parte da história da filosofia, procurando responder, em primeiro lugar, à pergunta: o que nos disseram os grandes filósofos sobre o amor? E aí temos Platão, Lucrécio, Montaigne, Rousseau, Kant, Schopenhauer muito bem resumidos e explicados. De seus textos uma coisa logo emerge: os grandes filósofos admiravam o amor. O que pode parecer surpreendente: afinal, estamos falando de sentimentos, de emoções, e não de ideias, de conceitos teóricos. Mas nisso os grandes autores do passado parecem se ter dado conta da verdade contida na frase de Shakespeare: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”. E uma dessas coisas sem dúvida é o amor. Nietzsche, o furioso contestador, reconhecia a força da paixão amorosa e não hesitava em dizer que se tratava da “única coisa digna de um filósofo”.

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Escrevendo sobre o amor os filósofos podiam ser geniais. Praticando o amor (e este é o segundo tema do livro) revelavam-se, não raro, tão trapalhões quanto nós, pobres mortais – mesmo quando as duplas amorosas que integravam envolviam uma aliança intelectual. O livro fala de três casos famosos: o de Nietzsche e de Lou Andréas Salomé, de Heidegger e de Hannah Arendt, de Sartre e Simone de Beauvoir. Deus, que gente complicada. Não podiam admitir uma ligação, digamos, convencional: o casamento, o apartamento com sala e dois quartos, os filhos, o jantar com amigos no sábado à noite. Não, tinha de ser tudo diferente. Heidegger, professor de filosofia, seria hoje considerado o rei do politicamente incorreto: traçava sistematicamente alunas e discípulas, entre elas Hannah Arendt, que se apaixonou pelo mestre aos 18 anos. Ligação muito perigosa, para usar a clássica expressão do escritor Choderlos de Lanclos. O nazismo estava então em ascensão, Arendt era judia, e Heidegger, para manter sua posição universitária, apoiou Hitler. Ela emigrou para os Estados Unidos, mas, apesar de tudo, nunca o esqueceu.
Já Simone e Sartre (que era espantosamente feio) trataram de manter o chamado casamento aberto. Coisa muito difícil, como reconheceu o próprio Sartre: “O amante exige o juramento [de fidelidade] e se irrita com o juramento”.

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Isto posto, não deixa de ser admirável o esforço dessas pessoas no sentido de entender o que é o amor. É mais fácil renunciar a isso, é mais fácil simplesmente ir em busca do prazer; é fácil entrar num site de relacionamento do que numa obra de Sartre. Mas o que se ganha em facilidade perde-se em profundidade. O amor não é só uma forma de ligação com outra pessoa; o amor é uma forma de autodescoberta. E esse continua sendo o desafio fundamental para a condição humana. Como disse Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo”. Um conselho que vale para os amantes, vale sobretudo para os amantes.
*Escritor e cronista
http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2642659.xml&template=3916.dwt&edition=13066&section=1026 -Zero Hora, 06/09/2009

Um comentário:

  1. Muito boa a indicação do livro. Esse blog aqui tem vida! Um abraço. José Heber www.joseheber.blogspot.com

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