quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Religião e ansiedade

Glaucio Ary Dillon Soares*

As pessoas ansiosas vivem menos, se suicidam mais e vivem pior. Reduzir a ansiedade é uma questão de saúde pública, embora isso pareça avançado demais para os que possuem uma visão tradicional da medicina. Políticas públicas que reduzem a ansiedade, elevam a qualidade da vida e, por caminhos indiretos, reduzem a mortalidade. Num país com arraigada tradição estatista como o Brasil é possível imaginar políticas públicas elaboradas para reduzir autoritariamente a ansiedade. Não funciona. Os caminhos são outros.
Há estilos de vida e instituições associadas com eles que reduzem a ansiedade. Uma dessas instituições é a religião. Porém, ao entrar nas pesquisas e nas noções comuns a respeito dessa relação, vemos que ela é contraditória. Há 20 anos, Frenz e Carey pesquisaram as relações entre religiosidade e ansiedade. Não encontraram qualquer relação. Cinco anos depois, Koenig, Ford, George, Blazer e Meador encontraram relações, mas intrincadas. Não eram lineares, nem simples.
Mas, pensemos: há religiões e religiões, e também há religiosos e religiosos — bem diferentes. Talvez essas diferenças expliquem parte da confusão. Um passo para deslindar essa relação foi dado quando separaram as pessoas cuja religiosidade era para fora daquelas nas que a religiosidade era para dentro. A religião das primeiras era social, a das últimas era interna — e muito mais protetora.
Há outras tradições teóricas que são úteis: uma vê a religião como maneira de enfrentar problemas e dificuldades; a outra é psicanalítica e vê funções da religião na defesa do ego. Essas duas tradições teóricas veem um efeito catártico das religiões.
Falta o comportamento. Ir a igrejas, templos, sinagogas etc. tem efeito sobre a ansiedade? Maltby tentou responder essa pergunta. Para evitar os efeitos que confundem quando são analisadas religiões diferentes, todas as pessoas que estudou são da Church of England. Aumentou a homogeneidade, mas reduziu a amostra — 83 pessoas. Aplicou um questionário a todas onde media a ansiedade com uma escala. Aplicou o questionário meia hora antes da chegada na igreja e meia hora depois da saída. Perguntou — diretamente — se ficavam ansiosas com as preparações para ir à igreja. Esse desenho controla a endogenia — o fato das pessoas irem mais ou menos à igreja de acordo com o seu grau de ansiedade. A pesquisa permitia ver qual o efeito.
O que ele encontrou? Ir à igreja aumenta, diminui ou não tem nada a ver com a ansiedade? O autor verificou que o nível de ansiedade antes de ir à igreja era 41 pontos e depois era 37: não foi uma queda dramática, mas é uma diferença estatisticamente significativa no nível de 0,05. Segundo o autor, esses resultados fortalecem a teoria da catarse.
Essas conclusões foram reforçadas por outros estudos. Joanna Maselko estudou as correlatas das mudanças no comportamento religioso da infância para a maturidade em mulheres. As que cessaram suas atividades religiosas tinham um risco três vezes maior (21% vs. 7%) de padecer de ansiedade generalizada e de alcoolismo do que as que continuaram com suas atividades religiosas. Nos homens, a redução ou cessação da atividade religiosa contribuía para outro tipo de problema, a depressão. Os efeitos foram piores entre mulheres. A explicação de Maselko: as mulheres tendem a ser mais integradas na comunidade religiosa e sentem mais os efeitos quando saem dela.
Na Universidade de Toronto houve uma pesquisa com metodologia diferente: visualizavam as áreas do cérebro cuja atividade aumentava com a ansiedade. Aplicaram testes cognitivos que produziam mais ansiedade nos não religiosos do que nos religiosos, particularmente se erravam as respostas.
O estudo das religiões e de suas relações com importantes aspectos da vida, como a felicidade, a saúde mental e a criminalidade, é imprescindível. Não basta ficar repetindo o que autores clássicos escreveram há um século.
A variedade das religiões no Brasil, maior país católico do mundo, maior país espírita do mundo, país onde as igrejas evangélicas crescem rapidamente e onde há claras diferenças de classe e de nível educacional entre as religiões, além de uma participação ativa de algumas delas na política, requer que os pesquisadores as levem a sério e as incluam em suas análises de vários tipos de comportamento. As consequências de um fenômeno socialmente tão relevante precisam ser conhecidas e, para conhecê-las, é preciso pesquisá-las.
*Glaucio Ary Dillon Soares, sociólogo, pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisa do RJ(Iuperj)
http://www.correiobraziliense.com.br/impresso/ 03/09/2009

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