segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O Papa e a camisinha


Luís Corrêa Lima*

O sínodo dos bispos africanos, aberto em Roma pelo Papa, traz de volta o polêmico tema da camisinha. Há alguns meses, Bento XVI foi duramente criticado por sua declaração na África a este respeito. A camisinha seria ineficaz para conter a epidemia de Aids e o problema só aumentaria. Convém esclarecer.
A declaração na íntegra dizia que não se pode superar o problema da Aids só com dinheiro e distribuição de preservativos. É preciso que os africanos se ajudem, assumindo responsabilidades pessoais para humanizar a sexualidade.
Caso contrário o problema aumenta. A “humanização da sexualidade” inclui um novo modo de relacionar-se mutuamente.
A razão desse pronunciamento pode ser encontrada no testemunho dos que vivem nas regiões africanas mais atingidas pelo HIV. Uma missionária da Suazilândia, onde 26% da população estão contaminados, relatou: “Aqui, a primeira coisa que um homem diz é que não usará camisinha. A mulher tem a condição de menor de idade, de modo que nunca a exigirá.” Há resistências culturais.
Na África elogia-se a fertilidade, e o preservativo aparece como estranho e estrangeiro. Nesta situação, não adianta a mera distribuição de preservativo sem mudança de comportamentos arraigados.
Mesmo sem a ter mencionado, o Papa não excluiu a camisinha.
"Na educação sexual,
é necessário ensinar
o que comporta risco,
o que o reduz e
o que o elimina"
Pouco depois daquela declaração, o porta-voz da Santa Sé comunicou que para a Igreja as prioridades na prevenção da Aids são a educação, a pesquisa e a assistência humana e espiritual, e não a opção exclusiva pela difusão do preservativo. E o jornal do Vaticano, “L’Osservatore Romano”, publicou no dia 22 de março uma entrevista com o médico e missionário Daniele Giusti, que trabalha em Uganda há três décadas. O missionário diz que a camisinha se mostra eficaz entre pessoas homossexuais, usuárias de drogas e profissionais do sexo. Para o conjunto da população, recomenda-se o modelo ABC (Abstinence, Be faithful and Condoms): abstinência aos que ainda não são maduros para a vida sexual, fidelidade conjugal aos sexualmente ativos e camisinha como terceiro recurso, onde há risco de contaminação.
Na educação sexual, é necessário ensinar o que comporta risco, o que o reduz e o que o elimina. Assim pode haver conciliação entre moral cristã e distribuição do preservativo.
Políticas públicas de prevenção e convicções religiosas podem conviver e colaborar mutuamente. Para isto é necessário desfazer ruídos de comunicação que se tornaram enormes. O Papa e a Igreja Católica não são inimigos da camisinha, e a sua difusão não é incompatível com os valores cristãos, sobretudo o amor e a responsabilidade. A defesa da vida terá muito a ganhar.
*Padre jesuita, em artigo publicado no jornal O Globo, 19/10/2009 e publicado no IHU/Unisinos, 19/10/2009.

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