sexta-feira, 30 de outubro de 2009

PHILIP ROTH: O autor do lado sombrio

                                          Em seu 30º livro,
Philip Roth retoma personagens em agonia e
 relações que se desfazem,
mas surpreende.


Philip Roth, um dos favoritos para o Nobel de literatura, não levou o prêmio e diz que não liga: "Não espero nada deles. E eles normalmente atendem minha expectativa"
O 30º livro de Philip Roth faz parte de um projeto incomum: uma série de quatro histórias curtas. Sua nova obra, "The Humbling", a terceira novela do quarteto [a última, "Nemesis", será publicada no próximo ano] é uma das mais lúgubres que ele já escreveu.
Assim como suas duas novelas recentes - "Everyman", de 2006, e "Indignation", de 2008 [publicadas no Brasil pela Companhia das Letras como "Homem Comum" e "Indignação"] -"The Humbling" é de uma melancolia profunda, uma meditação em que todas as coisas se esvaem, a felicidade é uma fraude e a saúde, mental e física, é frágil. O livro se concentra em Simon Axler, ator famoso que perde o talento. Sua mulher o abandona, ele é internado num hospital psiquiátrico e, depois que recebe alta, mergulha em uma rotina sombria. Nesse momento, conhece uma mulher mais jovem que o revitaliza e lhe devolve a esperança.
Aos 76 anos, Roth continua a explorar os temas que definiram sua obra: o desgaste dos laços de família, a luta do homem contra a depressão e a solidão enquanto envelhece e as expectativas que moldam e isolam os parceiros sexuais. Embora uma casa de apostas britânica o tenha colocado entre os favoritos para o Nobel de literatura deste ano, não lhe deram o prêmio. "Não espero nada deles", afirma. "E eles normalmente atendem minha expectativa."
Numa entrevista de uma hora no escritório de seu agente literário em Nova York, Andrew Wylie, Roth falou sobre grandes atores, literatura, a compra de livros antigos pela internet e a vida de pessoas casadas.

Valor: O que o sr. está lendo?
Philip Roth: Principalmente, releio coisas que li aos 20 anos, escritores que foram grandes na minha formação e que eu não lia há 50 anos. Estou falando de Dostoyevsky, Faulkner, Turgenev, Conrad. Estou tentando reler o que há de melhor antes de... morrer.
Valor: O sr. recomendaria algum escritor novo?
Roth: Não acompanho o que acontece na ficção moderna.
Valor: A quem o sr. considera seus pares?
Roth: Algumas pessoas. Don DeLillo, Ed Doctorow, Reynolds Price, Joyce Carol Oates, Toni Morrison. É uma geração muito boa. Perdemos três gigantes nos últimos dois anos. Saul Bellow, Norman Mailer e John Updike. A literatura americana é poderosa. Essas pessoas são todas de primeira linha.
Valor: Há algo errado com a literatura americana hoje?
Roth: A literatura americana é hoje a mais vigorosa do mundo.
Valor: O sr. navega na internet? Quais sites costuma visitar?
Roth: Só uso para fazer o supermercado e comprar livros. Compro da FreshDirect. Também uso a Amazon e compro muitos livros usados da AbeBooks e da Alibris. É maravilhoso quando você tenta encontrar algo obscuro e consegue por US$ 3,98. É o maior bazar de livros que já existiu.
Valor: Mas não é tão divertido quanto a 4ª Avenida em Nova York.
Roth: É, aquilo era maravilhoso. Foi como me iniciei na vida. Eu me formei no ensino médio em janeiro de 1950 e fui trabalhar na S. Klein on the Square, na 14ª. Trabalhei na Klein como auxiliar de estoque. Almoçava em cinco minutos, ia para a Quarta Avenida e comprava livros da Modern Library por US$ 0,25. Os livros comuns custavam US$ 0,25 e os gigantes, US$ 0,75. Ainda tenho muitos desses livros. Era maravilhoso. Comecei a fazer minha própria biblioteca. Acho que ganhava US$ 0,75 por hora. Em 40 horas semanais dava para tirar US$ 30.
Valor: Em "The Humbling", Simon, deprimido, descreve-se como "um homem repulsivo que não é nada mais que o inventário de seus defeitos". E o que dizer da sugestão de Camus de que o propósito da vida é continuar rolando a pedra até o topo da montanha?
Roth: Ele está falando do estado de depressão. Não é incomum as pessoas deprimidas serem inventários de suas deficiências. Você não pode dizer a uma pessoa deprimida o que ela deve fazer. O problema é que elas não conseguem fazer nada. São incapazes de exibir sua força, assim como ele.
Valor: Simon acredita que sua estada no hospital psiquiátrico teve alguma valia? Não consegui descobrir se o sr. estava zombando do tratamento ou o elogiava.
Roth: Nenhum dos dois. Apenas relatei o que ocorreu com ele da melhor maneira que pude apresentar. Como ele não melhora, e como melhora, e as pessoas que conhece no hospital. Não existem atitudes nos hospitais psiquiátricos. A terapia artística é uma coisa de criança, mas feita de modo deliberado.
Valor: Inicialmente, o sr. escreve: "O que ele fazia bem, fazia por instinto. Agora ele pensava em tudo, e tudo que era espontâneo e vital estava morto". O autoconhecimento é paralisante?
Roth: Estou falando de um ator. E esse ator age por instinto. Quando ele pensa demais é dominado por seu pensamento.
Valor: Um personagem menor, professor aposentado que está se recuperando no hospital psiquiátrico, analisa os suicidas: "Então há os puristas. A questão para eles é: foi justificado, houve motivo suficiente?" Quando o suicídio se torna uma escolha socialmente aceitável?
Roth: Para o suicida, é. Há muita gente com tendências suicidas que discute os prós e contras de um suicídio. A aceitação social não tem nada a ver com isso. Eles são os analistas de suas próprias inclinações suicidas.
Valor: O suicídio representa a perda da inocência?
Roth: Se você tem sorte, perde a inocência muito antes. O suicídio é a representação final do desespero, quando não se tem mais motivos para viver.
Valor: O agente de Simon o encoraja a voltar a atuar. Como o sr. fez para entender a experiência de atuar?
Roth: É o que se chama de imaginação do escritor. Observei atores durante anos. Sempre me interessei por eles. Acho que conheço alguma coisa sobre a maneira como trabalham. Li alguns livros. Menciono um deles, de Harold Guskin ("How to Stop Acting"). Mas não posso dizer que aprendi muita coisa com as pesquisas. Fui basicamente intuitivo.
Valor: O que diferencia uma grande atuação de uma atuação medíocre?
Roth: O instinto é a diferença entre o ator comum e o grande ator. É outra palavra para mágica. As quatro primeiras palavras de meu livro são: "Ele perdeu sua mágica". Acho que os grandes atores possuem um instinto que nos atinge como mágica.
Valor: Quem o sr. colocaria nessa categoria?
Roth: Temos grandes atores de cinema. Robert De Niro, Al Pacino, Meryl Streep, para citar apenas alguns.
Valor: Eles têm um entendimento mais profundo de seu ofício?
Roth: Sabem instintivamente como fazer. Pode não ter a ver com entendimento. Tem a ver com o dom da atuação. Simon é um homem reflexivo. Mas não é a reflexão que faz o ator. Você não pode ser um bom ator sem pensar, mas, paradoxalmente, não é a reflexão que faz a atuação. O que faz a atuação é o ator, não o pensador, embora um bom ator estúpido seja uma contradição em termos. Não existe essa coisa de ator bom e idiota. A inteligência é importante.
Valor: O que escritores populares como James Patterson e Nora Roberts têm que atraem um número tão grande de leitores?
Roth: Não conheço seus livros. São "entertainers", não escritores. "Entertainers" têm grande apelo. As pessoas adoram entretenimento. Eles têm uma mágica diferente.
Valor: Onde Charles Dickens se encaixa? Ele escrevia para publicações mensais.
Roth: É um daqueles que têm grande apelo popular... e é um gênio. São os espécimes mais raros. Nossos grandes escritores não tinham isso. Melville morreu na obscuridade. Faulkner não era muito lido. Bellow não era muito lido. Raramente os melhores são muito lidos... Sempre existe um romance popular e de vez em quando acontece de um gênio ser um romancista popular. Mas não é a regra.
Valor: Quando o casamento de Simon termina, o sr. descreve o acontecimento como "acabado, mas mesmo assim mais uma entre milhões de histórias de homens e mulheres infelizes no relacionamento". É essa a situação do casamento moderno, um mar de almas amargas unidas de maneira desconfortável?
Roth: A vida das pessoas casadas é frequentemente difícil. Há muitos casais infelizes.
Valor: O que faz Simon querer tornar-se pai? É algo surpreendente.
Roth: Era para ser surpreendente. A gente sempre quer surpreender o leitor perto do fim do livro. Ele acha que é uma forma de concluir sua reabilitação e domesticar seu relacionamento com Pegeen. Para livrar a relação de seu lado perverso, torná-la convencional, domesticá-la. É por isso que ele quer aquilo. Ele se sente perto da recuperação quando embarca na ideia, não é? Ela vai ajudá-lo na recuperação.
Valor: No fim, Simon inspira-se em uma peça de Chekhov. É falha dele não ser original, ser talentoso mas emocionalmente vazio?
Roth: Não sei qual é o defeito dele. Quando sua vida se esvazia e ele fica sem sua profissão, ele está vazio. Quando tem o amor e a paixão de Pegeen, ele começa a sentir-se completo novamente. Quando ela se retira, ele se torna vazio outra vez. E acha isso intolerável.
Valor: Mas ele está ciente de que as coisas poderão acabar mal.
Roth: Acontece que mesmo que você saiba que alguma coisa acontecerá, e acontece, ainda assim você pode ficar arrasado. Não existe a proteção necessária no conhecimento. Às vezes há, e às vezes não.
Valor: O sr. está trabalhando em um novo livro?
Roth: Acabo de terminar um. Será publicado dentro de um ano. Chama-se "Nemesis". É a quarta dessas pequenas novelas que escrevi: "Everyman", "Indignation" e "The Humbling". Formam um quarteto. Quero ter o menor tempo possível entre meus trabalhos. Não posso ficar sem trabalhar.
Reportagem de Jeffrey A. Trachtenberg. "The Wall Street Journal"

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