segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Apagão, a superação da pobreza e a CF

Jung Mo Sung *

O apagão da energia elétrica ocorrido dias atrás, que atingiu 40% do fornecimento no Brasil, nos estimula (para não dizer nos obriga) a pensarmos nas questões de infra-estrutura do país na nossa luta pela superação da pobreza.

Ainda não são definitivas as conclusões sobre as causas do apagão e nem é esse o tema aqui. O que eu quero discutir aqui é a relação entre a luta pela superação da pobreza, da diminuição da desigualdade social e de condições dignas de vida para toda a população com a necessidade de investimentos em infra-estrutura.

Na medida em que a renda e riqueza são distribuídas mais justamente, mais pessoas deixam de ser pobres e melhoram a sua condição de vida e de consumo. No Brasil, nos últimos anos quase vinte milhões de pessoas saíram da condição de pobreza. E isso significa concretamente que elas passam a consumir mais comida, mais eletricidade, mais serviços (como, por ex., telefonia fixa e móvel) e também mais mercadorias. Porém há ainda muito caminho pela frente, pois ainda temos em torno de 50 milhões de pobres no Brasil e quase 180 milhões na A.L.

As lutas sociais e políticas pela superação da pobreza significam concretamente lutas por uma realidade social onde tenhamos mais casas para pobres que hoje não tem casas dignas, com ruas asfaltadas e iluminadas, com mais aparelhos domésticos, mais comida na mesa, e mais empregos com melhores salários no campo e na cidade. O que significa maior consumo de energia, maior produção de alimentos no mundo, que exigirá mais armazéns e mais e melhores estradas de rodagem, estradas de ferro e rios navegáveis para o transporte.

Em resumo, lutas e políticas sociais em favor dos mais pobres modificam o sistema econômico e social e exige adequações no sistema (no nosso caso no setor de infra-estrutura). Mais casas dignas e mais empregos exigem mais energia elétrica, que exigem mais usinas (sejam hidrelétricas, termoelétricas, nucleares, solares ou outras de tecnologias). Em outras palavras, conquistas nas políticas sociais exigem mais investimentos em infra-estrutura.

Só que o tema do investimento em infra-estrutura não é tão simples. Uma razão é que esse tipo de investimento exige um longo período de maturação para produzir os primeiros resultados. Por ex., uma hidrelétrica de porte exige vários anos de construção e muito dinheiro. Isso significa que provavelmente aquele que a inaugura não é o mesmo governador ou presidente que iniciou a construção. E na dinâmica político-eleitoral que temos hoje, os políticos precisam investir naquilo que é visível, cria impacto na mídia e seja de rápida conclusão. As pessoas são influenciadas mais por políticas sociais imediatas ou por inauguração de pontes vistosas na cidade do que em investimentos de longo prazo na infra-estrutura material e social (como sistema educativo universal e eficiente) necessária para sustentar o processo de desenvolvimento econômico e social mais justo.

Uma segunda razão é que certas áreas da infra-estrutura fundamental para o desenvolvimento social e superação da pobreza implica necessariamente em intervenções mais significativas no meio ambiente. Hidrelétricas são exemplos típicos disso. São mais baratas e menos poluentes que as nucleares ou termoelétricas, mas exigem a construção de represas. E aqui entra todo o debate da defesa da natureza e da sustentabilidade ambiental.

Parece-me que é fundamental para pessoas e grupos que lutam pela superação da pobreza e da grave injustiça social do nosso país e da A.L. que saibamos superar duas posições antagônicas nas nossas lutas sociais e políticas: a visão economicista que não leva em conta os limites e a dinâmica do meio ambiente e a visão "ecologicista", que na defesa radical da preservação do ambiente no estado mais natural possível, não percebe que a superação da pobreza exige também investimentos em infra-estrutura, que como toda e qualquer ação humana interfere na "natureza".

Temos aqui o tema do desenvolvimento sustentável, que traz consigo a tensão entre a defesa da vida (dos pobres e de "todos os seres da natureza") e algumas dinâmicas da economia, que estão presentes em qualquer sistema econômico, que não podemos ignorar. Tensão essa que tem muito a ver com o tema da Campanha da Fraternidade do próximo ano: Economia e Vida.

* Professor de pós-graduação em Ciências da Religião (Autor de "Cristianismo de libertação: espiritualidade e luta social").
FONTE: ADITAL, 13/11/2009

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