domingo, 29 de novembro de 2009

Repensando o Big Bang

Marcelo Gleiser*

A interpretação sobre o que é a expansão do cosmo está mudando


Imagino que a maioria dos leitores de desta coluna esteja familiarizada com a ideia do Big Bang, a explosão que marca o início do tempo, o início da expansão cósmica que, pelo que sabemos, continua firme e forte até hoje. Porém, quando começamos a pensar seriamente na questão do início de tudo, surgem tantas dúvidas e confusões que é bom revisitá-la de tempos em tempos.

Antes de mais nada, o que significa expansão do Universo? Quando Edwin Hubble descobriu que as galáxias estavam se afastando umas das outras em 1929, a interpretação mais imediata era que o Universo estava em expansão. Quando mencionamos que a expansão é uma consequência do Big Bang, é muito comum pensar numa espécie de explosão, com as galáxias voando pelo espaço como detritos.

Na verdade, a expansão do Universo não é isso; quem expande, ou estira como uma tira de elástico, é o próprio espaço. As galáxias são carregadas pela expansão como se fossem rolhas boiando num rio. Quando olhamos em torno, vemos que todas as galáxias se afastam umas das outras. Não existe um centro da expansão, como no caso de uma explosão. De outra manteira, existiria um centro do Universo, um ponto mais especial do que os outros. Mas esse ponto não existe.

O cosmo é muito democrático: todos os pontos são iguais. Mas o que causou o Big Bang?

Esta questão, que tradicionalmente era relacionada com a questão da "Primeira Causa", também foi revisada nos últimos anos. Até meados da década de 1980, era comum pensar que o Big Bang marcava o estágio inicial da expansão cósmica, uma época no passado remoto onde o cosmo era tão quente e denso que a matéria estava dissociada nos seus componentes mais básicos, as partículas elementares. Partindo disso, é de se esperar que a matéria à altas pressões e temperaturas expanda; ou melhor, que ela tenha provocado a expansão do espaço.

Quando se perguntava "Mas o que causou este estado inicial?", a resposta era meio vaga: a teoria que usamos para descrever o Universo, a teoria da relatividade geral de Einstein, não funciona nesses momentos iniciais.

Precisamos de uma nova teoria, que seja aplicável nessas condições extremas. Isto continua sendo verdade: não temos uma teoria quântica para explicar a gravidade. Mas a interpretação do Big Bang mudou.

Segundo as teorias atuais, o Universo passou por uma fase de expansão extremamente rápida, mais rápida do que a velocidade da luz. Isso é possível com a geometria do espaço, mesmo que a matéria não possa viajar mais rápido do que a luz. E o que causou essa expansão? Acredita-se que tenha sido um "campo escalar", um tipo de matéria hipotético que tem a incrível propriedade de provocar esse tipo de comportamento. Pode parecer mágica, mas não é.

Campos escalares são muito plausíveis. Por exemplo um de seus primos chamado campo de Higgs poderá ser descoberto em 2010 ou 2011 no LHC, o grande acelerador de partículas na fronteira da Suíça com a França.

Quando está fora de sua posição de equilíbrio, feito uma bola rolando uma ladeira, esse campo gera a expansão ultra-rápida do espaço. Ao descer, sua energia e pressão alimentam a expansão cósmica. Chegando perto do fim, o campo libera sua energia explosivamente, criando um mar de partículas de matéria. (O truque vem de E=mc2, que diz que é possível converter energia em matéria.)

O processo violento em que a matéria surge desse campo é como a maioria dos físicos hoje interpreta o Big Bang. Em outras palavras, o Big Bang não foi o começo de tudo! Mas então o que foi? Disso, falamos numa outra semana.

*MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
FONTE: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2911200904.htm

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