quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Teologia da Libertação está viva e com saúde

Walter Altmann*

Desde a queda do Muro de Berlim,
foram muitos os críticos que se precipitaram a
declarar a morte da
teologia da libertação.
 A maioria o fez porque viu nela apenas uma
apologia do socialismo do caduco estilo soviético.
No entanto, esse certificado de morte
parece ter sido emitido prematuramente.

Conquanto é verdadeiro que os teólogos da libertação – alguns mais do que outros– utilizaram categorias marxistas para a análise socioeconômica e a crítica dos males do capitalismo, o marxismo nunca foi o elemento central da teologia da libertação.

O que está em seu centro é antes a empatia com os pobres e com sua luta pela justiça, inspiradas na vida e nos ensinamentos de Jesus. Desde o princípio, a teologia da libertação pôs maior ênfase no papel essencial da praxe comprometida do povo de Deus – ou, em outras palavras, na ação das comunidades cristãs inspirada pela fé e baseada na reflexão teológica – do que na análise social, que foi considerada como um instrumento metodológico.

O fundamento espiritual e a motivação da teologia da libertação estão enraizados no encontro – que muda a vida – com Cristo como libertador e com nosso próximo necessitado, cujo sofrimento não é unicamente fruto do destino, senão resultado da opressão e das injustiças sistemáticas, que podem ser superadas através da ação transformadora.

Se observarmos a realidade atual, veremos que a pobreza no mundo ainda não foi, de modo algum, superada. Ao contrário, com a recente crise financeira internacional, ocasionada pelas forças desenfreadas de um capitalismo governado pela avareza e pelos interesses privados e empresariais, o número de pobres – ou melhor dito, de empobrecidos – no mundo aumentou em centenas de milhões.

A teologia da libertação surgiu no final dos anos 1960 em América Latina. O terreno tinha sido preparado nos anos cinquenta por movimentos comunitários cristãos que aspiravam reformas sociais, políticas e econômicas, e a participação ativa dos leigcos nas atividades pastorais da igreja.

Sendo a América Latina um continente predominantemente católico, este novo enfoque teológico estava muito relacionado com os acontecimentos teológicos e pastorais da Igreja Católica Romana, conquanto desde o princípio tratou-se de uma iniciativa ecumênica. O próprio termo de teologia “da libertação” foi proposto quase simultaneamente pelo sacerdote católico romano Gustavo Gutiérrez, de Peru, e o teólogo presbiteriano Rubem Alves, do Brasil.

Por tudo isso não surpreende que nos anos setenta e oitenta, a teologia da libertação tivesse uma forte influência no movimento ecumênico, incluído o Conselho Mundial de Iglesias (CMI). A relevância das ações que promoveu a favor das lutas pelos direitos humanos nos países latino-americanos sob ditaduras militares, o desenvolvimento de métodos efetivos para superar o analfabetismo (como fez Paulo Freire, pedagogo brasileiro exilado e assessor do CMI em matéria de educação) e o combate contra o racismo, sobretudo na África do Sul, foi amplamente reconhecida.

Quanto ao enfoque contextual destinado a refletir de maneira crítica sobre a práxis do povo de Deus, a teologia da libertação nunca teve como objetivo converter-se numa construção teórica dogmática e estática. Seu propósito não era destacar um tema teológico que tinha sido descuidado, senão o de propor uma nova maneira de fazer teologia. Como é natural, ao longo dos anos foi mudando. Se no princípio centrou-se nas condições de vida dos pobres, logo foi incorporando outras problemáticas, tais como os povos indígenas, o racismo, as desigualdades de gênero e a ecologia.

Na atualidade, a teologia da libertação também se ocupa da interpretação das culturas e de questões antropológicas como, por exemplo, da tentação do poder. O empenho por conseguir uma sociedade mais justa na qual haja “lugar para todos” persiste, mas a forma de chegar a ela passou a ser através da ação da sociedade civil.

A influência da teologia da libertação vai além do âmbito das igrejas. Já se mencionou sua contribuição para acabar com as ditaduras militares na América Latina e com o apartheid na África do Sul. Hoje, ajuda a configurar os esforços políticos latino-americanos dirigidos ao estabelecimento de um modelo de democracia que supere a pobreza e as injustiças sociais. Vários presidentes latino-americanos –Lula da Silva no Brasil, Morales na Bolívia, Correa no Equador, Ortega na Nicarágua e Lugo no Paraguai – tiveram, de diferentes maneiras, contato com comunidades cristãs de base e teólogos da libertação.

Mas, antes de mais nada, a teologia da libertação continua muito viva nos movimentos da sociedade civil e nas comunidades cristãs de base.
(*) O pastor Dr. Walter Altmann é presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e moderador do Comitê Central do Conselho Mundial de Iglesias.

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