domingo, 22 de novembro de 2009

Uma breve história do poder

IVES GANDRA*

Recentemente, o presidente do BNDES, professor Luciano Coutinho, declarou que se o governo brasileiro não cortar suas despesas de custeio, o crescimento do Brasil estará sacrificado nos próximos anos.

Em meu recente livro Uma breve teoria do poder (Ed. Revista dos Tribunais, 2009), na mesma linha alerto que o Brasil tem exagerado nas benesses auto-outorgadas aos governantes em detrimento da sociedade, logo o que sobra para investimento é muito pouco em relação ao que é destinado a uma burocracia inchada e esclerosada.

Basta verificar o que está destinado para pagamento exclusivo à mão de obra oficial ativa e inativa no orçamento de 2010 (em torno de R$ 160 bilhões) contra pouco mais de R$ 10 bilhões para a Bolsa Família. Ao próprio PAC é destinado R$ 23 bilhões.

No livro supra mencionado, fixo mais a figura dos detentores do poder do que a das correntes filosóficas — que cuidam do Estado, das leis e das formas de governo — e procuro demonstrar que, em todos os períodos históricos e espaços geográficos, a busca do poder por aqueles que o desejam, raramente tem por objetivo o servir ao povo, mas sim, o de usufruto das regalias que o poder oferta.

Não sem razão, Racine, na sua peça Tebaida, quando Creonte mata seus dois filhos para ser o rei, põe em sua boca a frase de que a felicidade de ser pai não torna ninguém invejoso, por ser comum, mas o trono é um bem do qual os céus é avaro. À mesma conclusão chega Rotrou, na Inocente fidelidade, quando diz “todos os crimes são belos quando o trono é o preço”.

Nas ditaduras, o detentor do poder não precisa justificar a apropriação do que bem entender, porque não tem oposição. Nas democracias, entretanto, o que as difere das ditaduras é que têm oposição e a elaboração da lei tem que ser negociada, servindo de autorização para o comando, mas também de limite ao exercício do poder. As críticas de abuso que a oposição sempre faz mudam quando esta assume o poder, passando a situação anterior à crítica, com a mesma virulência antes lhe dirigida, visto que a busca do poder é o único objetivo e não aquele de servir, que quando ocorre e dá como um mero efeito colateral da detenção do poder.

Carl Schmitt, ao entender, por sua teoria das oposições, que a economia opõe o útil ao inútil, a moral, o bem ao mal, a estética, o belo ao feio, mas a política apenas opõe o amigo ao inimigo, dá bem a dimensão do que é a essência do poder. É algo para ser usufruído por quem o detém. Por esta razão, nas democracias, as campanhas são de baixíssimo nível no mundo inteiro. Maquiavel, no Príncipe, pode ter sua teoria sobre o poder resumida ao seguinte “É bom o governante se mantiver o poder, mesmo que mal. É mau o governante que o perder, mesmo que bom”.

Por esta razão, é que a história vem demonstrando, uma constante busca de limitação dos poderes de seus detentores pelos textos supremos, que, todavia, sempre que seu detentor tenha força não a respeita. Mesmo culturas tradicionais, no século XX tiveram ditaduras como a Alemanha e a Itália, pois quem tem o poder procura apenas se perpetuar nele.

Em plena campanha para a presidência em 2010, o presidente Lula, na luta por eleger sua candidata, não tem poupado críticas aos que exercem funções de controle como Tribunal de Contas, Ministério Público, Poder Judiciário e órgãos de fiscalização os quais, no exercício do seu dever, detectam irregularidades, superfaturamentos e sobrepreços em muitas de suas obras. À evidência, o presidente Lula não tem razão.

Embora seja difícil mudar a natureza humana na luta pelo poder, temos muito pouco tempo de vida humana sobre o planeta para chegarmos ao ponto de perder a esperança de que um dia os políticos terão como único objetivo servir à sociedade e não dela se servir.

*Ives Gandra da Silva Martins é doutor em Direito e professor emérito da Universidade Mackenzie
FONTE: Correio Popular/Campinas, 22/11/2009

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