quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Os mineiros e a Federação

 Mauro Santayana*



A indecisão hamletiana de José Serra foi sempre calculada. Não dando a Aécio chance – na disputa das prévias – de articular as forças regionais em torno de sua candidatura, o empurrariam para aceitar a postulação à Vice-Presidência. O açodamento não é um pecado mineiro. Aécio recusou as cartas do jogo, a fim de não contribuir para uma posição subalterna de Minas. Qualquer venha a ser o futuro presidente, os mineiros, sob a liderança de Aécio, seja dando-lhe apoio, seja a ele se opondo, terão poder suficiente para influir no destino do país.
A decisão do governador de Minas foi tomada desde que sentiu, na seção paulista do PSDB, a intenção de desgastá-lo, mediante as manobras conhecidas.
Desde os militares, os governos têm buscado em Minas o atestado de credibilidade junto à nação: Castello Branco, com Alkmin; Costa e Silva, com Pedro Aleixo; Figueiredo, com Aureliano Chaves; Fernando Collor, com Itamar Franco; e, por fim, José Alencar, com Lula. Aécio percebeu que o problema era mais grave, porque confirmava a presunção de hegemonia de São Paulo sobre a Federação. Aécio sempre defendeu os direitos da Federação; não apenas os de Minas. Nisso, o governador segue a reivindicação federalista dos mineiros, dos gaúchos e pernambucanos que remonta aos farroupilhas, aos confederados de 1824 e aos luzias de 1842.
Como Aécio deixou bem claro, não podia ficar aguardando a decisão de Serra. Não podia atrelar sua carreira de homem público, nem os interesses de Minas e do país à carruagem imperial do governador de São Paulo. Ele quis dizer, e disse, que Minas oferece ao Brasil seu governador como candidato a presidente, mas não mais aceita oferecer um candidato a vice-presidente. Pelo menos, não aceita que o ocupante do Palácio da Liberdade, com suas pedras vetustas e sua força histórica, venha a ocupar o Palácio do Jaburu.
Por outro lado, qualquer representante de um povo – que, desde o século 18, tem defendido sua dignidade, com todos os meios – não pode ficar postulando à porta dos paulistas. Se o partido, pelas suas instâncias regulares, vier a chamá-lo para disputar a indicação dos convencionais, para disputar a Presidência, ele poderá, talvez, aceitar a convocação. Não sendo assim, é melhor ficar em Minas. Ele tem, como exemplo, a famosa postura de Bueno Brandão, quando o grande republicano disse que preferia cair com Minas, a cair em Minas.
Em 1913, os paulistas e mineiros decidiram unir-se contra a provável candidatura de Pinheiro Machado, nas eleições de 1914, na sucessão de Hermes da Fonseca. Desse pacto surgiu a candidatura de Wenceslau Braz, mineiro, em 1914, e a do paulista Rodrigues Alves, para o quatriênio seguinte. Ao afirmar a solenidade do compromisso, Bueno Brandão fez a frase histórica.
Perder a oportunidade – se Aécio a perdeu – de eleger-se presidente da República em novembro, não é desdouro, como tampouco perder uma eleição. Aécio, ao que parece, não está disposto a “cair em Minas”. É improvável que, apesar de todas as pressões, aceite a Vice-Presidência. Isso seria cair em Minas, o que sua biografia não admite. Não lhe cabe dobrar-se à divisa da cidade de São Paulo (non ducor, duco), que se pretende uma nova Roma. Se, conforme as pesquisas, Serra ganha da mesma forma as eleições, com Aécio ou sem Aécio, por que constranger o mineiro? Se a questão é de chapa pura, seria mais razoável que ela se formasse com Serra e Fernando Henrique, Fernando Henrique e Serra, ou Serra e Geraldo Alckmin.

Tancredo e a história

O jornal Valor Econômico, de segunda-feira, publica curiosa entrevista do professor de sociologia Rudá Ricci. Em seu juízo, Tancredo era provinciano, que só ficou conhecido dois anos antes de 1985 e não tinha a dimensão de Ulysses Guimarães. Insinua que Aécio é tão provinciano quanto o avô, e Serra tão universal quanto Ulysses. Não sabe que Tancredo foi ministro da Justiça de Getulio; que evitou a guerra civil em agosto de 1961, quando da renúncia de Jânio; que foi primeiro-ministro de Jango; que se opôs com bravura ao golpe de 1964 (quando Ulysses a ele aderia) e – como disse Affonso Arinos – deu ao Brasil não só a sua vida mas também a sua morte.
Que Ricci não conheça a História da Conquista da Inglaterra pelos normandos, vá lá; mas, que não conheça a história recente do país, é constrangedor para a credibilidade da instituição acadêmica a que pertence.
*Jornalista. Colunista do JB
Fonte: Jornal do Brasil, 23/12/2009

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