quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Catástrofe no Haiti

Gilberte Salomon e Christine Elisee
Entrevista

Duas haitianas resgatadas dos escombros relatam
ao Correio os momentos de terror,
incerteza e medo

Duas histórias que podem ser classificadas como milagres. Dramas que marcarão para sempre a vida de duas haitianas. Gilberte Salomon tem 66 anos, é professora e proprietária da escola de enfermagem Instituto Louis Pasteur, no centro de Porto Príncipe. Em questão de segundos, viu toda uma vida de trabalho e suor ruir. Ficou dois dias presa sob os escombros — no local, morreram 200 alunos, inclusive o filho de 16 anos. Foi resgatada no dia 14, após perder a noção do tempo. Apenas uma de suas alunas sobreviveu à catástrofe. Christine Elisee, 21, não pôde se mexer por quatro dias. Durante todo esse tempo, permaneceu sentada, com outros três estudantes e quatro corpos, embaixo do concreto da Universidade de Porto Príncipe. Nem assim perdeu a fé: cantou para Deus, a fim de que ela a mantivesse viva.

As histórias de Gilberte e Christine se cruzam e coincidem com a tragédia que se abateu sobre centenas de milhares de haitianos. As duas mulheres contaram seus dramas com exclusividade ao Correio Braziliense, com a ajuda do empresário Thierry Bijou, morador de Porto Príncipe, que traduziu as entrevistas do creole — idioma do Haiti — para o inglês.

Impressões da escuridão

Qual é a sensação de ficar sob os escombros por tanto tempo? A senhora pensou na morte?
Gilberte Salomon: Em primeiro lugar, eu não tive tempo de reação. Era o primeiro dia de aula e eu havia decidido deixar os 15 alunos saírem 15 minutos mais cedo que o de costume, às 16h45. Um deles ficou comigo para visar algumas anotações. E aconteceu. Eu sabia que estava viva por alguma razão. Eu nunca perdi a esperança. Eu estava muito paciente, esperando por ajuda. Eu podia ouvir os outros implorando por ajuda, dizendo: “Nós estamos aqui, nós estamos aqui”.

Christine Elisee: Foi terrível. Eu pensei que fosse morrer. Foi horrível. Eu fiquei presa com outros três estudantes. Perto de nós, havia quatro corpos. Eu não pude me deitar. Fiquei na posição sentada durante todo o tempo. Dois dos outros sobreviventes estavam atrás de mim, um deles preso sob uma mesa. Outra tinha a mão presa entre o concreto e um cadáver. Mas eu sempre soube que eu sairia dali viva. Um dos estudantes morreu na minha frente. Por um momento, pensei que fosse o fim do mundo, porque a universidade era imensa e desabou. Uma das colegas me pediu saliva, porque ela estava morrendo de sede. Eu disse a ela que, em vez disso, rezaria por ela, porque não poderia compartilhar minha saliva. Eu não sei quantos estudantes morreram ou sobreviveram. Eles me tiraram de lá com outros três estudantes.

Em meio a tamanha catástrofe, você se perguntou por que está viva? Qual sua sensação sobre isso?
Gilberte Salomon: Foi um choque para mim. Quando sai e vi tantos corpos, eu não quis estar viva. Não sei como vou me esquecer disso. Mas, para mim, 12 de janeiro é uma data de renascimento. É meu novo aniversário. Eu me recordo de que os meus alunos estavam tão felizes por saírem 15 minutos antes.

Christine Elisee: Eu não sei o que estou sentindo agora. Também perdi familiares, no bairro Delmas, depois que minha casa caiu.

Você ficou dias soterrada, sem água e sem comida. Durante esse tempo, viu a luz do Sol ou da Lua?
Gilberte Salomon: Eu não pude ver nenhuma fonte de luz. Eu perdi a noção do tempo. Não me lembro nem mesmo de como saí de lá. Eu estou viva graças a Deus. Isso é tudo o que eu sei.

Christine Elisee: Eu fiquei quatro dias sob os escombros… Acho que eu pedi por água. Eu comecei a cantar para Deus, para que Ele me mantivesse viva. Agora eu sei que tenho uma missão. Eu estava com alguns amigos trabalhando em um relatório.

Sob os escombros, imaginou que quase toda a cidade estivesse destruída? Em que pensou durante esse tempo soterrada?
Gilberte Salomon: Eu não tinha ideia do que estava acontecendo à minha volta. Eu só pensava em meu filho, que estava dormindo em uma sala do quarto andar. Eu estava no terceiro andar.

Christine Elisee: Fui a primeira a perceber o que estava ocorrendo. Em lembro que alguém saiu correndo e se escondeu sob uma mesa. Uma das estudantes morreu porque tentava correr e foi atingida por um pedaço de concreto.

Eu comecei a cantar para Deus, para que Ele me mantivesse viva. Agora eu sei que tenho uma missão”
Christine Elisee

Eu sabia que estava viva por alguma razão. Eu nunca perdi a esperança”
Gilberte Salomon

Reportagem de Rodrigo Craveiro
FONTE: Correio Braziliense online, 21/01/2010

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