sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Economia centrada na vida

Frei Betto*

O tema da Campanha da Fraternidade 2010, promovida pela CNBB e o Conic (Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do Brasil), é Economia e Vida. Lançada na quarta-feira de cinzas, a campanha tem como lema o versículo do evangelho de Mateus: “Não se pode servir a Deus e ao dinheiro” (6, 24).

Em plena crise do sistema capitalista, que ameaça as finanças de vários países, o tema escolhido por bispos e pastores cristãos é de suma atualidade no ano em que os eleitores brasileiros deverão escolher os novos governantes. A economia, palavra que deriva do grego oikos+nomos, “administração da casa”, não deveria ser encarada pela ótica da maximização do lucro, mas pelo bem-estar da coletividade.

A Campanha da Fraternidade objetiva sensibilizar a sociedade sobre o valor sagrado de cada pessoa que a constitui; criticar o consumismo e superar o individualismo; enfatizar a relação entre fé e vida mediante a prática da justiça; ampliar a democracia firmada em metas de sustentabilidade.

Isso significa “denunciar a perversidade de todo modelo econômico que vise, em primeiro lugar, ao lucro, sem se importar com a desigualdade, a miséria, a fome e a morte; educar para a prática de uma economia de solidariedade; conclamar igrejas, religiões e sociedade para ações sociais e políticas que levem à implantação de um modelo econômico de solidariedade e justiça”.

O documento reconhece que “um bom número de brasileiros, na última década, saiu do estado convencionalmente definido de pobreza, mas o Brasil confirma hoje a realidade de enorme desigualdade na distribuição de renda e elevados níveis de pobreza. Segundo o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, em 2007 existiam no Brasil 10,7 milhões de indigentes (ou seja, famintos), e 46,3 milhões de pobres (ou seja, sem acesso às necessidades básicas: alimentação, habitação, vestuário, higiene, saúde, educação, transporte, lazer, entre outras), considerando valor dos bens em cada local pesquisado”.

A parcela da população brasileira que vive em estado classificado, tecnicamente, como de extrema pobreza, continuará a ser indigente, pois não consegue, de modo geral, quebrar esse círculo vicioso a não ser que a sociedade se organize de outro modo, colocando acima dos interesses de mercado o ser humano.

Na raiz da desigualdade social está a concentração de terras rurais em mãos de poucas famílias ou empresas. Cerca de 3% do total das propriedades rurais do Brasil são latifúndios, ou seja, têm mais de 1.000ha e ocupam 57% das terras agriculturáveis — de acordo com o Atlas fundiário do Incra. É como se a área ocupada pelos estados de São Paulo e Paraná, juntos, estivesse em mãos dos 300 maiores proprietários rurais, enquanto 4,8 milhões de famílias sem-terra estão à espera de chão para plantar.

A lógica econômica que predomina na política do governo insiste em elevar os juros para favorecer o mercado financeiro e prejudicar os consumidores. Basta dizer que o governo federal gastou em 2008 com a dívida pública 30,57% do Orçamento da União para irrigar a especulação financeira. E apenas 11,73% com saúde (4,81%), educação (2,57%), assistência social (3,08%), habitação (0,02%), segurança pública (0,59%), organização agrária (0,27%), saneamento (0,05%), urbanismo (0,12%), cultura (0,06%) e gestão ambiental (0,16%).

E, no Brasil, quem mais paga impostos são os pobres, pois os 10% mais pobres da população destinam 32,8% de sua escassa renda ao pagamento de tributos, enquanto os 10% mais ricos apenas 22,7% da renda. A Campanha da Fraternidade convida os fiéis a refletirem sobre a contradição de um sistema econômico prensado entre cidadãos interessados em satisfazer suas necessidades e desejos, e empreendedores e agentes financeiros em busca da maximização do lucro. Uma importante parcela da moderna economia capitalista é meramente virtual, decorre de vultosas movimentações de capital, não gera bens e produtos em benefício da sociedade, serve apenas para o enriquecimento de uns poucos com o fruto da especulação financeira.

O ciclo da moderna economia política fecha-se num mundo autossuficiente, indiferente a qualquer consideração ética sobre a vida humana e a preservação da natureza. A evolução da história e a miséria em que vive grande parte da humanidade põem em questão o rigor e a seriedade dessa ciência e a bondade das políticas econômicas voltadas mais ao crescimento e à acumulação da riqueza do que ao verdadeiro desenvolvimento sustentável.

A CNBB e o Conic propõem a realização de um plebiscito no próximo 7 de setembro — data da Independência do Brasil e Dia do Grito dos Excluídos — em prol do limite de propriedade da terra e em defesa da reforma agrária e da soberania territorial e alimentar. É preciso que haja leis limitando o tamanho das propriedades rurais no Brasil, de modo a evitar latifúndios improdutivos, êxodo rural, trabalho escravo e exploração da mão de obra migrante, como ocorre em canaviais.

O Evangelho, ao contrapor serviço a Deus e ao dinheiro, apela à nossa consciência: as riquezas resultantes da natureza e do trabalho humano se destinam ao bem-estar de toda a humanidade ou à apropriação privada de uns poucos que, nos novos templos chamados bancos, adoram a Mamon, o ídolo que traz felicidade à minoria que se nutre do sofrimento, da miséria e da morte da maioria?
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*Frade dominicano. Escritor, é autor de Calendário do poder (Rocco), entre outros livros.
Fonte: Correio Braziliense online, 19/02/2010

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