sábado, 6 de março de 2010

Jeremy Rifkin - Entrevista

A civilização da empatia.
No novo livro de Jeremy Rifkin* que é publicado agora na Itália, "La civiltà dell'empatìa" [A civilização da empatia] (Ed. Mondadori, 648 páginas), há uma primeira mensagem que, aparentemente, é tranquilizadora. Com uma robusta evidência científica, o autor explica que nós somos uma espécie animal "empática", treinada a provar compaixão, participação, solidariedade.
A segunda mensagem é decisivamente alarmante. A nossa empatia, durante milênios, foi exercida dentro de círculos restritos, da família à comunidade agrícola até o Estado-nação, não se adaptou à extensão global da nova comunidade humana. Reprogramar a nossa consciência, aplicar a empatia em escala planetária é urgente se queremos evitar a destruição da nossa espécie (e de muitas outras).
Um terceiro componente interessante do livro é um plano ambicioso para resolver a equação energética. Trata-se de aplicar à energia o modelo da Internet, no sentido de uma revolução a partir de baixo, um sistema de produção e de consumo difuso, capilar, descentrado e flexível.
Rifkin discute nesta entrevista as teses da sua última obra, a mais ambiciosa e comprometedora de todas.


A advertência que o senhor lança não pode ser tomada levianamente: estamos próximos de uma espécie de implosão global, o estágio final e autodestrutivo das várias revoluções industriais.
Não quero soar como o enésimo profeta do apocalipse, mas muitos sinais indicam que estamos verdadeiramente em um ponto de mudança na história da espécie humana. O nosso destino pode ser jogado de modo fatal dentro de poucas décadas. Dois sinais recentes confirmam isso. Um foi a grande crise alimentar de 2008, que precedeu (e na realidade provocou) o colapso das finanças globais: sob a pressão do crescimento chinês e indiano, o petróleo chegou aos 147 dólares por barril, o aumento da produção agroalimentar provocou tumultos por causa do arroz e do pão em muitas nações emergentes. O segundo sinal foi o fiasco da cúpula de Copenhague sobre o ambiente: os mesmos líderes que não souberam prever o desastre de 2008 foram incapazes de enfrentar as mudanças climáticas.
O senhor acusa a cultura por meio da qual nós e as nossas classes dirigentes interpretamos o mundo.
Somos ainda prisioneiros da tradição iluminista, do pensamento de Locke e de Adam Smith: aquele que nos representa o homem como um ser racional, materialista, individualista, utilitarista. Se continuarmos usando esses instrumentos intelectuais do século XVIII, estamos verdadeiramente condenados. Dentro desse quadro cultural é impossível que seis bilhões de pessoas enfrentem a escassez de recursos naturais. Copenhague fracassou porque líderes como Obama e Hu Jintao continuaram pensando em termos geopolíticos tradicionais, segundo os interesses dos Estados-nações, em vez dos interesses da biosfera.

A empatia pode ter efeitos perversos, aumentando a entropia: esse é um conceito que o senhor já usou no passado, no sentido de uma degradação que destrói a energia disponível. Pode nos dar um exemplo histórico?
O Império Romano foi capaz de expandir a empatia dos seus cidadãos criando uma comunidade muito vasta, unida pelo mesmo destino. Mas, ao mesmo tempo, impulsionou a exploração da sua base agrícola até o extremo, até provocar um exaurimento que foi a verdadeira causa do declínio, antes das invasões bárbaras. A história se repete. Hoje, em escala bem mais ampla.
Quanto mais as civilizações se tornam complexas, mais se multiplicam as conexões entre os seres humanos. Mas ao mesmo tempo são exigidos maiores fluxos de energia, e estes aumentam a entropia. A Terceira Revolução Industrial que eu projeto nascerá da necessidade de mitigar o impacto entrópico das duas primeiras. Como as outras revoluções industriais, será impulsionada por uma convergência entre as novas tecnologias da comunicação e da energia. As primeiras civilizações hidráulico-industriais se fundaram sobre a invenção do alfabeto. A segunda revolução industrial do século XVIII ao XIX foi o encontro entre corrente elétrica, telégrafo, rádio, TV.

Por isso, hoje o senhor vê na Internet uma oportunidade benéfica e tem confiança nos jovens que cresceram dentro desse novo universo da comunicação?
A geração que se expôs ao conhecimento no terceiro milênio dá por óbvio que o mundo é feito de partilha e cooperação. As velhas gerações ainda têm uma ideia da mudança ditada do alto para baixo. Os jovens vivem em uma dimensão descentralizada, estão interconectados horizontalmente, sem hierarquias. A minha geração admirou as fotos da Terra tiradas da Apollo na expedição à Lua, foi a nossa primeira experiência de empatia para com todo o planeta visto de fora. Os nossos filhos, a cada dia, por meio do Google Maps, se percebem como cidadãos do planeta Terra.
Desastres como os terremotos no Haiti e no Chile, se transformam, com o Twitter, na ocasião para uma imediata solidariedade humana em escala global. Esses rapazes habituados a usar o Skype para falar com o colega de Tóquio intuem que somos uma única família planetária. Para eles, é mais fácil compreender que todo gesto cotidiano em todos os cantos do mundo tem um impacto em tempo real sobre a biosfera e atinge a espécie humana em qualquer lugar em que ela se encontre. Ali já se iniciou a transição para uma nova forma de consciência.

Nessa Terceira Revolução Industrial que está às portas, o modelo da Internet pode nos salvar também da crise energética? De que modo?
As novas tecnologias da comunicação convergem com as energias renováveis. É o que eu chamo de energia distribuída ou difusa. Porque as fontes renováveis – sol, vento, energia biotérmica, biomassa de rejeitos – encontram-se em nosso meio, igualmente repartidas em cada metro quadrado da superfície terrestre. Diferentemente das energias fósseis, como o petróleo e o carvão, cuja concentração territorial foi fonte de enormes problemas geopolíticos.

Na prática, o que significa abraçar o modelo da energia difusa?
Significa converter toda casa individual, toda mansão, em uma pequena central energética que usa o sol, o vento, os rejeitos, estocando-os e redistribuindo-os. Significa que a energia não consumida para as próprias necessidades será repartida segundo uma lógica de cooperação e de solidariedade. Não é socialismo, mas sim uma economia de mercado híbrida, exatamente como a Internet, com fenômenos como o software "open source", prefigurou uma superação do capitalismo puro, hibridizando-o com elementos de socialismo. Tudo isso já está começando a ocorrer e está mais próximo de vocês do que vocês acreditam.
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*Presidente da Foundation on Economic Trends de Bethesda, professor da Wharton School, autor muito popular no mundo inteiro com livros como "La fine del lavoro" [O fim do trabalho] (1995) ou "A economia do hidrogênio" (Ed. M. Books, 2003),
A reportagem é do jornal La Repubblica, 05-03-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU - 06/03/2010

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