terça-feira, 9 de março de 2010

Perto dos 40, Greenpeace quer ampliar sua atuação

Entrevista: Para diretor da ONG, país tem que assumir liderança global
Kumi Naidoo:
"O mundo todo está olhando para o Brasil
depois da CoP-15
e de o presidente Lula ter feito o
discurso mais poderoso do evento"

O Greenpeace, a organização não governamental ambientalista que mais sabe fazer do espetáculo um aliado, quer ampliar seu perfil de atuação. Às vésperas de completar 40 anos, a ONG, que fez história com ativistas enfrentando baleeiros em botes de plástico, organizando campanhas contra a energia nuclear, fazendo oposição aos alimentos transgênicos e, mais recentemente, pendurando faixas da Torre Eiffel ao Cristo Redentor pedindo um acordo climático global, espera agregar à sua imagem o bicho que faltava: o homem.

Não que vá abandonar as focas à própria sorte ou deixar de denunciar grandes grupos empresariais que desmatam florestas para produzir sabonete (ou carne). Mas a escolha do sociólogo sul-africano Kumi Naidoo como seu novo diretor-executivo indica que o Greenpeace pretende mostrar que não é apenas uma organização ambientalista. A ONG, com sede em Amsterdã, busca maior contato com comunidades locais e movimentos sociais. E quer abrir diálogo com empresas porque sabe do papel delas no combate à mudança do clima, mas sem que isso signifique o sumiço das diferenças nem a tolerância com os escorregões do mundo dos negócios.

O Greenpeace tem seus próprios desafios para estes tempos: ser mais profissional sem perder o espírito aventureiro dos ativistas; aproximar-se do alvo de muito de seus confrontos, os grupos econômicos, sem criar relações promíscuas; e dialogar com os governos, mas sem comprometer a sua independência.

A escolha de Naidoo, 44 anos, o primeiro africano a assumir a liderança da mega-ONG, sinaliza nessa direção. Sua trajetória só se aproximou do Greenpeace em 2008, quando foram abertos escritórios em Johannesburgo, na África do Sul, e Kinshasa, na República Democrática do Congo. Aos 15, ele já estava envolvido na luta anti-apartheid. Trabalhou com comunidades de bairro e de jovens, foi expulso da escola e terminou preso. Viveu na clandestinidade até se exilar no Reino Unido, onde fez seu doutorado. Ao voltar à África do Sul, continuou atuando em grupos de direitos humanos, de combate à violência contra as mulheres e de redução da pobreza. Um mês antes da conferência de Copenhague, aportou no Greenpeace.

Naidoo está no Brasil há alguns dias. Fez uma incursão pela Amazônia, onde conheceu "o bom, o ruim e o feio" da floresta. Ontem esteve em São Paulo. Na agenda, falar com executivos de setores diversos e com o governador José Serra. Hoje estará em Brasília, para encontrar a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e a senadora Marina Silva.

Com esses prováveis protagonistas da eleição presidencial, imagina deixar alguns recados: que o Brasil tornou-se um líder global e tem suas responsabilidades; que precisa decidir se reproduzirá com as nações mais vulneráveis o modelo de exploração a que foi submetido; e que o mundo está observando o que se fará aqui, depois do forte discurso do presidente Luis Inácio Lula da Silva em Copenhague.

Em uma sala da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, ele deu uma entrevista ao Valor. A seguir, alguns trechos.

Valor: O que o sr. pretende falar com o governador Serra, a ministra Dilma e a senadora Marina?
Kumi Naidoo: Vou levar as mensagens urgentes de pessoas que conheci na Amazônia, como acabar com o trabalho escravo na cadeia do gado, o que foi algo chocante de saber. Eu não acreditava que coisas assim podiam acontecer em um país que tem como líder o presidente Lula, amado e respeitado muito além das fronteiras do Brasil. Também vou transmitir o apelo de pessoas que estão lutando contra o desmatamento e correm o risco de pagar com a própria vida. Encontramos uma freira que já sofreu várias ameaças. Pequena de estatura, mas nada frágil: o governo federal ofereceu a ela proteção, mas sua resposta foi que só aceitaria se fizessem o mesmo com os outros que estão na mesma situação. Foi um encontro emocionante, que me lembrou a minha própria luta contra o apartheid.

Valor: O sr. conversou também com líderes indígenas?
Naidoo: Conversei com Megaron [Megaron Txucarramãe, líder caiapó], que busca proteger a cultura e vida de seu povo. Foi também inspirador. Acho que temos que, genuinamente, escutar mais os povos indígenas.

Valor: Vai levar alguma mensagem política aos prováveis candidatos à Presidência do Brasil?
Naidoo: Duas coisas. A primeira tem a ver com o lugar do Brasil no mundo. O Brasil se tornou um líder global. O mundo todo está olhando para cá depois da conferência de Copenhague, depois de o presidente Lula ter feito o discurso mais poderoso de todo o evento, trazendo pontos-chave da sociedade civil e dos países em desenvolvimento. Como vão se engajar com seu Código Florestal pode ser um modelo para outros. Liderar significa também responsabilidade. É preciso perguntar se agora, quando vocês têm maior influência, poder político e crescimento econômico, se vão repetir o modelo de exploração que sofreram do mundo desenvolvido ou se farão de outro jeito, respeitando o ambiente e as pessoas dos países mais vulneráveis.

Valor: E o segundo ponto?
Naidoo: Tem a ver com as negociações do pós-Copenhague. Esperamos que o Brasil continue apoiando as negociações nas Nações Unidas, mas que faça mais.

Valor: Como assim, faça mais?
Naidoo: Que influencie as duas partes maiores do chamado grupo Basic, ou seja, a China e a Índia, que precisam ficar mais confortáveis com a ideia de um acordo legalmente vinculante. E também que não se use o comporta-mento do mundo desenvolvido como uma desculpa para não agir. Nós sabemos como a história aconteceu, os países do Sul estão na mesma página. Sabemos que os países em desenvolvimento, grandes e pequenos, são os menos responsáveis pelos desastres que estamos enfrentando e são os que estão pagando o preço mais alto. E que são as pessoas mais pobres, nos lugares mais pobres, que sofrerão mais.

Valor: O relator da comissão que discute mudanças no Código Florestal afirmou que ONGs como o Greenpeace defendem interesses internacionais e interferem nos rumos da nossa agricultura...
Naidoo: Este é um discurso antigo, que eu já escutei em vários lugares. Estou no Greenpeace há quatro meses e nunca teria vindo para cá se acreditasse nisso. Trabalhei na campanha global contra a pobreza que o presidente Lula lançou em Porto Alegre, em 2004. Um dos nossos pontos-chave de luta é o que chamamos de comércio justo. Fui profundamente crítico com as políticas agrícolas europeias. Mas não são dois erros que fazem um acerto. Não se muda a política agrícola europeia pensando em não fazer nada. Ao contrário.

Valor: O que foi "o bom, o mau e o feio" que viu na Amazônia?
Naidoo: O bom foi ver as áreas protegidas e entender porque deve ser assim, não só para proteger a biodiversidade, mas também para garantir a vida dos extrativistas que moram lá. O mau foi ver a degradação da floresta, mas onde há possibilidade de recuperação. Feias são as áreas que estão virando deserto. É triste ver isto e pensar que aquele lugar foi tão rico. Maravilhoso foi encontrar gente tão inspiradora.

Valor: No Brasil, movimentos sindicais costumavam pensar que a questão ambiental nasceu nos Estados ricos do Sul, na burguesia e durante a ditadura. E que, então, não deve ser boa coisa.
Naidoo: Minha experiência não é diferente desta. Na África do Sul, durante o apartheid, costumávamos dizer que os brancos respeitavam árvores e bichos, mas não pessoas. Mas essa distância, conhecida como a tensão verde-vermelho, está desaparecendo à medida em que lutas pelo trabalho decente são incluídas na agenda verde. Gostaria que o Greenpeace falasse mais disto. Trabalho digno também significa não devastar o futuro dos nossos filhos. Entendi mais tarde que tudo está relacionado ao ambiente. Quando as pessoas pensam no genocídio em Darfur, pensam só no conflito étnico. Mas o que move o conflito é a escassez de água e a terra para comida. O impacto da mudança climática é também conflito, violência contra as mulheres, mais pobreza, mais doenças, e qual é o cenário para trabalho? Temos que diminuir as divergências.
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Daniela Chiaretti, de São Paulo
Fonte: Valor Econômico online, 09/03/2010

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