domingo, 11 de abril de 2010

Jean Delumeau - Entrevista

''O Papa não deve ser eleito para toda a vida''

Jean Delumeau, historiador francês e estudioso do cristianismo, certamente não têm ideias confusas: "Gostaria de não ceder ao linchamento da mídia contra a Igreja, que está tão na moda. Explico, além disso, que não deve ser estabelecida uma ligação muito estreita entre pedofilia e celibato obrigatório dos sacerdotes, já que, segundo pesquisas recentes, 96% dos abusos e dos maus tratos sexuais de menores ocorreram – na França – no âmbito familiar. E os sacerdotes, em grande parte, são pessoas irrepreensíveis".

Eis a entrevista.

Mas a sexualidade dos sacerdotes apresenta um problema para a Igreja Católica.
A sexualidade falha – devido ao celibato – dos sacerdotes não deriva nem da profissão de fé, muito menos do dogma: foi o primeiro Concílio Lateranense de 1123 que proibiu o casamento dos sacerdotes, e, em seguida, se confundiu o ministério pastoral com a vida monástica, que nos nossos dias parece anacrônica. Quanto às recentes questões de pedofilia, elas demonstram que é preciso uma maior consciência para se ter acesso ao sacerdócio. Já se desconfia, por sorte, das "vocações infantis", mas os seminários deveriam vigiar também as vocações sacerdotais dos adultos, já que um fervor espiritual momentâneo não implica em uma garantia de uma vida inteira de celibato.

De fato, hoje um número consistente de sacerdotes tem relações com mulheres mais ou menos estáveis.
Certamente, vive-se com dificuldade o celibato consagrado, assim como a vida de casal, por outro lado. A Igreja deveria enfrentar os problemas da sexualidade, já que o desconforto dos sacerdotes espelha a sensação de estresse por causa do apostolado, da inutilidade, do isolamento psicológico, do não reconhecimento social. Continuando nesse passo, nos encontraremos em um beco sem saída.

Quais soluções o senhor entrevê?
Não basta pedir perdão às vítimas que exigem justiça, mas deve ser mudado o sistema, em primeiro lugar acabar com o segredo absoluto que se impõe em Roma e que "envenena" a vida pública. E depois abandonar a doutrina que não tem fundamento evangélico nenhum, segundo a qual o celibato é o único estado de vida possível para os sacerdotes. Um sacerdote teólogo francês, Rigal, recentemente escreveu que "temos o direito de pensar que sacerdotes casados enriqueceriam a figura do ministério apostólico com a sua inserção familiar e social". Mas agora ocorre o contrário: a diminuição progressiva dos números do ministério sacerdotal.

E agora, com essas questões de pedofilia que envolvem a Igreja, a autoridade do Papa lhe parece enfraquecida? O senhor vê a possibilidade de renúncia?
Nunca nada impediu que um Pontífice renuncie, não está escrito em nenhum lugar, mas não acho oportuno que Bento XVI faça isso agora, porque deve manter a cabeça alta neste momento difícil para a Igreja. A meu ver, o Papa deveria ser eleito por um período limitado, dadas também as responsabilidades que o cargo envolve.

Portanto, o senhor acha que o Pontífice não deveria ser eleito para toda a vida?
A rapidez com a qual a nossa civilização evolui envolve, de alguma maneira, essa modificação do estatuto pontifical, e eu me declaro contrário à eleição do Pontífice por toda a vida, ele que, dentre outras coisas, nomeia os cardeais, e nos encontramos, portanto, sempre com os mesmos grupos no poder. Desejo que, também no colégio dos cardeais, se dê lugar a expoentes de uma sensibilidade católica diferente da que está atualmente no poder, que constitui o "partido único" da Igreja.

Com a carta enviada à Irlanda, o Papa se manifestou pela primeira vez sobre os abusos sexuais cometidos pela instituição que dirige. O que isso implica para a política vaticana?
Bento XVI deveria ir o mais rápido possível para a Irlanda, não apenas para pedir perdão, mas também para anunciar uma mudança profunda no governo da Igreja. Estou verdadeiramente convencido da sua sinceridade, mas reforço que deve ser modificada toda a organização – muito secreta e centralizada – do governo da Santa Sé Romana, que leva aos abusos sexuais.

O Pontífice foi também criticado por diversas pessoas por não ter se referido ao escândalo ao longo da missa de Páscoa.
Talvez, não era o lugar nem o momento propício para tratar desses episódios muito deprimentes.
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A reportagem é de Anna Tito, publicada no jornal L'Unità, 10-04-2010.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU- 11/04/2010

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