domingo, 2 de maio de 2010

Best-seller: Autora do CREPÚSCULO

Biógrafo Marc Shapiro investiga o fenômeno editorial Stephenie Meyer

Bolívar Torres, Jornal do Brasil

RIO - Em uma madrugada de junho de 2003, Stephenie Meyer, uma dona de casa mórmon da pequena cidade de Cave Creek, no Arizona, acordou de sonhos intranquilos. Não, ela não estava prestes a se transformar em um inseto gigante, mas sim na mais nova pop star da indústria de best-seller. No dia seguinte, a partir das imagens “muito vívidas” que guardou na memória, elaborou uma frase, digamos, enigmática, que lançaria as bases do fenômeno editorial Crepúsculo: “Na luz do sol ele era chocante”. Uau! O resto da história, todo mundo conhece: os quatro livros sobre colegiais no cio e vampiros sexualmente reprimidos venderam como batom entre as adolescentes de coração mole, gerando mais de 25 milhões de cópias mundo afora e uma franquia bem-sucedida de blockbusters hollywoodianos.

A ascensão meteórica de Stephenie Meyer, que não havia publicado nenhum livro antes da bem-sucedida estreia, deixou muita gente surpresa. Ainda hoje, é difícil entender de onde uma dona de casa à beira dos 30, vivendo o dia a dia banal de uma cidadezinha da América Profunda, teria tirado a inspiração para escrever histórias fantasiosas sobre vampiros. Mas para o biógrafo americano Marc Shapiro, que esmiuçou sua trajetória em Stephenie Meyer – A biografia não autorizada da criadora da saga Crepúsculo , que acaba de ser lançado no Brasil, não há nada de improvável no sucesso da autora.

– Ela teve obsessão em uma ideia e a colocou na mão das pessoas certas... Um agente, um editor e, por fim, uma editora – avalia o biógrafo, em entrevista ao Jornal do Brasil. – Essas pessoas acreditavam o suficiente no que Stephenie havia escrito para dar a ela o empurrão que lhe faltava. Ela mal tinha ideia do que era preciso fazer para publicar um livro, mas pôs seus originais nas mãos de pessoas que sabiam como proceder.

Um caminho que lembra o de J. K. Rowling, outro fênomeno inesperado da literatura infanto-juvenil, e a quem Shapiro também dedicou uma biografia não autorizada. Embora Stephenie Meyer recuse comparações com a autora da franquia Harry Potter, o biógrafo não deixa de ver semelhanças entre as personagens. Ambas tropeçaram em uma carreira literária em meio a um casamento feliz e três filhos, graças a uma ideia que as compeliram para a escrita.

– Acho que podemos dizer que as duas tiveram um bocado de sorte também – acrescenta o biógrafo, que prepara nesse momento um livro sobre a vida do impúbere ídolo pop Justin Bieber, de 16 anos.

Ao contrário do que se pensa, Stephenie Meyer não caiu de para-quedas na vida literária. Com certeza não estava em seus planos fazer carreira, mas a autora não era nenhuma aventureira: já havia estudado escrita criativa na Brigham Young University, em Utah, onde, de acordo com o livro, fora uma aluna destacada. Pelo menos é o que diz Steven Walker, um de seus professores da época citados no livro (o único, na verdade), que se derramou em elogios à sua “abordagem (...) tão criativa quanto a escrita acadêmica”. Walker continua: “Ela era uma boa escritora que, mesmo àquela época, competia entre os estudantes de inglês mais adiantados”.

Shapiro tenta resgatar o universo em que a escritora se criou. Aqui e ali, encontra-se uma referência a livros de Jane Austen, mas parece que as grandes obras que formaram sua sensibilidade artística foram enlatados de TV. “Ela deixa tudo de lado por uma maratona de Law and order, e, nos dias de hoje, lamenta o fato de sua pesada carga de trabalho fazê-la perder contato com reality shows favoritos, como Survivor e The amazing race”, descreve Shapiro. Ah, ela também parece ser uma grande fã de A família Sol-lá-si-dó...

Leituras mais picantes, como as dos libidinosos vampiros de Anne Rice, que Stephenie admite ter lido “em seus anos de faculdade”, vinham sempre com um grau de culpa, já que a autora procurava policiar a si mesmo ao abordar filmes e livros que contivessem “assuntos de teor sexual ou violento”. Na verdade, parece que o que moldou mesmo o seu imaginário foram os mandamentos da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, da qual Meyer se diz seguidora fiel. Menos pela sua gênese repleta de imagens (o fundador Joseph Smith, Jr dizia que um anjo lhe havia entregado plaquetas de ouro com os preceitos da religião), do que pelos rígidos princípios mórmons, que proíbem o sexo pré-marital, entre outros prazeres biológicos.

Durante a adolescência, a escritora teve que reprimir seus anseios carnais com a mesma que disciplina que Bella, a protagonista da saga. Ansioso pela lua-de-mel, seu então namorado – e futuro marido – chegou a lhe pedir em casamento pelo menos umas 40 vezes. “Depois de um tempo isso virou um costume do fim dos nossos encontros”, declarou Stephenie Meyer, em entrevista ao Phoenix New Times reproduzida por Shapiro.

– Não creio que o sexo reprimido contido no livro seja fruto de um aumento da repressão sexual do país, mas sim um reflexo dos próprios valores de Stephenie – arrisca Shapiro. – Era normal que ela construisse seus personagens de acordo com os seus valores. O segredo do sucesso da série Crepúsculo é que seu público-alvo primário, composto principalmente por jovens moças, está na idade em que começam a se adaptar à ideia de se tornarem mulheres. A mídia prefere bombardeá-las com uma sexualidade clamorosa em vez de romance verdadeiro, o tipo de sentimento que se tem quando se apaixona pela primeira vez. Sim, há vampiros, lobisomens, e muitas coisas fantásticas, mas há também sentimentos não-sexuais que o público adotou.

Apesar do rótulo de “não autorizado”, e da garantia de Shapiro de que se poderá “encontrar coisas que ninguém sabia antes” na biografia, não há uma única passagem obscura da vida de Meyer. O livro é 100 % “lado A”, num nível que chega a flertar com reverência. O biógrafo, aliás, não entrevistou suas fontes, limitando-se a construir seu texto com um apanhado de entrevistas caçadas na internet e nos arquivos de jornais. Ele, aliás, defende sua biografada dos críticos mais severos, que chegaram a chamá-la de “escritora amadora”.

– Em primeiro lugar, Stephenie Meyer é uma boa escritora – afirma. – Não uma grande escritora. Mas ela recompensa isso criando personagens memoráveis, além de ser uma ótima contadora de histórias. Além do mais, ela vende milhões de livros. Estes não são fatores que agradam aos críticos, mais propensos a favor de trabalhos “literários”, e que costumam virar o nariz para a ficção de caráter comercial. Mas todo escritor, não importa qual seja seu estilo, precisa enfrentar a crítica, se ele pretende levar sua obra ao público.

Prazer reprimido é melhor do que sexo

O leitor já começa a pensar: “Lá vamos nós, mais uma crítica ácida à literatura enlatada das grandes editoras...”. Dessa vez, no entanto, não é bem assim. Por mais tentador seja atacar os grandes fenômenos editoriais e suas incansáveis campanhas de marketing, é preciso reconhecer pelo menos um aspecto positivo na histeria Crepúsculo, que tomou de assalto as nossas adolescentes apaixonadas.

Em primeiro lugar, a bizarra saga se formou contra uma certa tendência comportamental. Visando estrategicamente um alvo específico (as garotas e seus primeiros anseios afetivos e carnais), é verdade, mas ainda assim em oposição à tendência liberal dominante na indústria cultural de hoje. Vide a recente produção infanto-juvenil, tomada por narrativas que pretendem falar abertamente sobre sexualidade e outros temas tabus – sempre em uma linguagem didática, edulcorada, falsamente descolada... Tudo muito bacana e politicamente correto, OK, mas ao mesmo tempo muito chato. Por sua vez, a mídia faz um apelo bombástico às púberes e inseguras excitações juvenis, expondo e promovendo por todos os lados corpos esculturais, cópulas perfeitas, de onde irradia um vazio e mecânico “go for it”.

Tanto na sua versão cinematográfica quanto literária, os vampiros puritanos de Stephenie Meyer correm na direção contrária. Baseados nos valores firmes de uma religião controversa, retardam a tão aguardada passagem à ação. Não sem sofrimento, aceitam interrupções anticlimáticas que, no fim, apenas prolongam o perigo prazeroso do sexo – para eles, uma energia quase sagrada. Surgem intermináveis negociações entre os corpos (o “eu quero, mas não posso” ou, mais grosseiramente, “dou ou não dou?”), que remetem a um tempo pré-educação sexual, quando o ato físico ainda possuía sua cota de mistério e transcendência. Afinal, como dizia Nelson Rodrigues: “Antigamente, a lua-de-mel era um banho de sangue”.

Na vida real, a abstinência pode ser um tédio. Mas, pelo menos no que diz respeito à literatura, parece uma opção muito mais interessante do que todos os romances metidos a moderninhos e suas vãs tentativas de desmistificar nossas pulsões vitais
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Fonte: Jornal do Brasil online - 01/05/2010

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