sexta-feira, 14 de maio de 2010

Celibato, castidade e a santidade

Jung Mo Sung *
Na minha juventude eu tive uma conversa com um padre amigo (na verdade, mais do que amigo, ele era o que podemos chamar de meu "mestre espiritual") sobre o celibato e a castidade que me iluminou bastante. Na época eu estava considerando a possibilidade de entrar no seminário. Ele disse, com muita simplicidade: "homem tem dois caminhos: ou ele gosta de mulheres ou de homens. Quem quer ser padre, não importa se gosta de homens ou de mulheres, tem que ser casto e celibatário".

Ele era teologicamente bastante conservador, mas uma pessoa muito humana e santa. Com ele aprendi que a santidade independe da linha do pensamento teológico. Encontrei, por ex., teólogos progressistas e de libertação que não eram lá muito humanos e tinham poucos traços de santidade. Eram pessoas demasiadamente autoritárias e exigentes consigo e com outras, pouco tolerantes com aqueles/as que pensam e vivem de modo diferente, com poucas atitudes de gratuidade, humildade e compaixão. Uma coisa é a linha teológica que uma pessoa aprende na vida e segue, outra é o caminho de humanização e de santidade. Hoje, pensando nas conversas que tive com esse padre, eu discordo de muitas das suas posições teológicas; mas vejo que o modo humano de ele ser continua tendo influência sobre mim.

A resposta que ele me deu, porém, ainda me parece bastante sensata e razoável. Ele diferenciou dois níveis na discussão do celibato. Primeiro é a condição humana: somos seres sexuados e "gostamos" de homens ou de mulheres, ou até mesmo dos dois ao mesmo tempo. As pessoas não sentem desejos sexuais por mulher ou por homem porque escolhem ser heterossexuais ou homossexuais. Não é uma questão de decisão pessoal e consciente. Não quero discutir aqui se é uma questão genética, de "criação" ou uma combinação de genética, "criação" e a vivência no seu ambiente social. O que quero destacar aqui é que a homossexualidade, heterossexualidade ou bissexualidade não é fruto de uma opção consciente de voluntária do momento.

O segundo nível é o da "virtude" ou da opção ética pessoal. Uma pessoa heterossexual ou homossexual pode optar, dentro de um certo limite, entre viver uma vida sexual de acordo com os valores religiosos ou éticos que assume e viver de um modo "desregrado", isto é, seguindo somente o impulso do seu instinto sexual, sem consideração às regras morais ou religiosos de qualquer tipo.

A virtude da castidade é um desafio para todos/as cristãos/ãs (e também para pessoas de outras religiões que têm ensinamentos de ética sexual), independentemente da condição de ser solteiro ou casado, pois a virtude da castidade não consiste em não ter relação sexual, mas em viver a sexualidade de acordo com a espiritualidade cristã.

Celibato, por sua vez, também faz parte do âmbito da "virtude", da opção ética pessoal, para pessoas que querem ser padres diocesanos de acordo com as regras atuais da Igreja Católica. Como sabemos, religiosos/as (irmãs, irmãos e padres) assumem o voto de castidade, como também de obediência e pobreza, como um estilo de vida. Enquanto que padres diocesanos não fazem nenhum voto, mas somente estão submetidos à disciplina do celibato.

Na sabedoria do padre amigo meu, ser homossexual ou heterossexual não é do âmbito da virtude, pois não é escolha pessoal. Mas, se quiser tornar-se padre, é preciso viver a disciplina do celibato dentro da virtude da castidade. Eu continuo achando que a resposta dele é bastante sensata. Eu posso ou não discordar da disciplina do celibato obrigatório para padres diocesanos, mas o raciocínio dele continua válido.

Estou refletindo essas questões por conta de uma entrevista de um bispo brasileiro que deu a entender ou afirmou (pois através de jornal isto é difícil saber) que os homossexuais não podem ser ordenados porque não se sentem (ou não são) capazes de viver o celibato e castidade (O Estado de São Paulo, 14/05/2010). Mesmo que o bispo não tenha dito isso, penso que esta reflexão sobre a condição humana e virtude ainda pode ser útil.

Uma última coisa, com esse padre eu também aprendi que a santidade não é não ter pecados (na nossa reflexão, viver perfeitamente a castidade), pois isso não é humanamente possível, mas ter sensibilidade do pecado. Isto é, a santidade consiste em reconhecer que somos pecadores e buscarmos sempre ajuda na comunidade e em Deus, vivendo o espírito do perdão e misericórdia. E o pecado consiste em pensar que somos santos e não pecamos e assim exigimos de outros e de nós mesmos a perfeição impossível e, por isso, temos pouca misericórdia e quase nenhuma compaixão diante da condição humana.
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* Coord. Pós-Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo. Autor, juntamente com Hugo Assmann, do livro "Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres", Paulus
Fonte: Adital online, 14/05/2010

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