segunda-feira, 10 de maio de 2010

Miguel Nicolelis - entrevista

'Entender o cérebro é ter uma chave-mestra'

No futuro, doenças poderiam ser detectadas no cérebro antes mesmo de se manifestarem no corpo. É o que garante o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, codiretor do Centro de Neuroengenharia da Universidade de Duke, nos Estados Unidos.
Para ele, os resultados dessa linha de estudo servirão como bússola para a medicina. Seu trabalho nos EUA lhe deu prestígio o suficiente para que seu nome fosse cotado ao Nobel de Medicina. E ele aproveitou o apoio internacional para investir no Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra, e num centro de saúde em Macaíba, no Rio Grande do Norte.

O senhor diz que, ao estudar o cérebro, muito além de coisas como recuperar a motricidade de pessoas paralisadas, conseguiremos entender melhor o que nos faz humanos o que nos motiva. Como está essa pesquisa?
O trabalho principal do cérebro é produzir comportamentos. Nós somos o resultado desse conjunto de comportamentos produzido ao longo da vida. As condições individuais de uma pessoa jamais vão se reproduzir, assim como nunca ocorreram antes. Então, no momento que você entender como o cérebro codifica informações e produz comportamentos, você terá nas mãos a chave-mestra para entender porque os seres humanos fazem o que fazem, porque se comportam ou reagem de tal maneira. A essência da nossa espécie está no cérebro.

O senhor acha que um dia chegaremos ao ponto de comandar e programar esses comportamentos?
Não sei, mas existe uma distância muito grande entre entender e reproduzir.

O caminho da medicina é encontrar no cérebro a chave para combater as doenças?
Não há outra alternativa, porque lá é onde está o problema. Lembranças psiquiátricas, neurológicas, está tudo dentro do cérebro e de sua atividade.

Podemos vislumbrar o dia em que doenças vão ser detectadas no cérebro, muito antes de se manifestarem?
Sem dúvida. Essa é uma das linhas de pesquisa ativas do meu laboratório.

O fato de o senhor ter construído o instituto em Natal com seus esforços é uma compensação por estar há mais de 20 anos fora do Brasil?
Cientistas não têm fronteiras. Fiz isso pela minha ligação com o Brasil, e não para saldar qualquer dívida. Achei que era importante devolver a experiência que adquiri lá fora.

Existem outros projetos semelhantes?
Temos uma escola nos mesmos moldes na Bahia, aberta semanas atrás. É o Centro Educacional de Ferrinha, com 400 crianças. Também temos um laboratório de pesquisa no Hospital Sírio-Libanês. Eles queriam um laboratório de reputação internacional e nós fizemos uma parceria para ajudá-los a montar, equipar e contratar pessoas. Em contrapartida, eles custearam nosso centro de saúde materna e infantil em Macaíba. Foi uma parceria histórica, na qual um hospital de São Paulo passou a financiar serviços médicos de alto nível na periferia em troca de uma tecnologia, de um know-how de construção de laboratório. Foi uma parceria ideal para ambos.

A partir das pesquisas realizadas em seu laboratório, um consórcio de dez países quer criar uma veste robótica que devolveria os movimentos a pessoas com paralisia. Qual o andamento desse projeto?
A veste está sendo construída na Universidade Tecnológica de Munique, que integra o consórcio. O grupo de pesquisa está desenvolvendo a veste, e nós estamos simulando as suas características em laboratório.

Como ela funcionará?
Ela será um artefato que pessoas com paralisia severa poderão usar para poder voltar a andar com a técnica que nós desenvolvemos. Será o novo corpo dessas pessoas, algo como um exoesqueleto.

Que outras aplicações da tecnologia pesquisada em Duke — a tentativa de substituir a ligação do cérebro com o corpo — podemos imaginar no futuro? Os braços artificiais controlados pelo cérebro já existem?
Estamos chegando perto. Usamos matrizes de eletrodos implantados no cérebro, filamentos que parecem cabelos, permitindo o registro da atividade elétrica de grandes populações de neurônios. Essa técnica foi desenvolvida por nós. Existem vários braços mecânicos sendo desenvolvidos, e também uma tecnologia para ler os sinais cerebrais e permitir que uma pessoa controle o braço mecânico com o cérebro. Estamos testando isso em animais.

Quando podemos imaginar essa técnica sendo usada?
É difícil precisar, porque em ciência você não pode predizer o momento eureca. Nos próximos cinco anos, acho, poderemos ter o protótipo clínico testado, além de estudos clínicos cuidadosos que demonstrem (sua eficácia).

Até que ponto isso vai ser acessível? Ou será uma tecnologia muito cara?
Como qualquer tecnologia, no momento em que ela começar a ser massificada, e as demonstrações mostrarem sua utilidade, várias empresas vão se interessar em produzi-la, e o custo vai cair rapidamente. Como Santos Dumont dizia, o mais difícil é fazer o primeiro.
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A reportagem e a entrevista é de Isabel Marchezan e publicada pelo jornal O Globo, 09-05-2010.
Fonte: IHU online, 10/05/2010

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