sábado, 1 de maio de 2010

O Arizona pode ser só o início, diz cientista político

Manifestantes acendem vela em protesto contra
a lei anti-imigração do Arizona (EUA)

Nos EUA, um grande número de pessoas defende uma forte restrição à imigração –há inclusive uma lei controversa no Arizona que permite que as pessoas sejam detidas se não tiverem os documentos adequados. O cientista político Jens Hainmueller argumenta que o debate vai esquentar ainda mais nos próximos meses.

Spiegel: Outro feroz debate sobre política de imigração paira sobre os EUA. O Estado do Arizona acaba de adotar uma nova lei anti-imigração que permite que a polícia prenda qualquer pessoa suspeita de não ter documentos. Os americanos perderam a paciência com a imigração?
Jens Hainmueller: Esses desdobramentos não são surpreendentes diante da história. A população nascida no estrangeiro nos EUA aumentou dramaticamente nas últimas décadas, de 5% em 1970 para 13% em 2007. Isso quer dizer 39 milhões de pessoas e constitui o mais alto nível registrado pelo censo desde 1930, quando os políticos cederam à pressão pública e introduziram novas restrições que diminuíram o fluxo de imigrantes por décadas. Então, o feroz debate de imigração que estamos vendo no Arizona atualmente pode ser só o começo.
Contudo, apesar desses eventos recentes, acho improvável que haja hoje tamanha repressão à imigração. De fato, em recente pesquisa que conduzi com meu colega Michael Hiscox, de Harvard, concluímos que a maioria dos norte-americanos não se opõe a um aumento na imigração, desde que os imigrantes sejam altamente qualificados.

Spiegel: Então, engenheiros e programadores seriam bem vindos nos EUA?
Hainmueller: Exatamente. Apesar de mais de 60% dos americanos se oporem a um aumento da imigração de baixa qualificação, como trabalhadores braçais, apenas 40% se opõem a um aumento na imigração altamente qualificada. De forma impressionante, essa forte preferência por imigrantes altamente qualificados é compartilhada entre todos os segmentos da sociedade, inclusive entre entrevistados ricos e pobres, ou que moram em Estados com poucos ou muitos imigrantes e até aqueles com alto ou baixo nível de educação. Isso acontece apesar dos cidadãos altamente qualificados talvez terem que competir pelos empregos com imigrantes altamente qualificados no mercado de trabalho.

Spiegel: O Congresso está debatendo uma ampla reforma da imigração. Alguns membros sugeriram que ela se foque primeiramente em atrair imigrantes qualificados. Este é o caminho a ser seguido?
Hainmueller: Nossos resultados sugerem que as propostas de reforma voltadas para os imigrantes altamente qualificados são muito mais fáceis de se “vender” politicamente, e eu acredito que os políticos estão tomando consciência disso. Historicamente, a política de imigração dos EUA muitas vezes foi muito sensível às tendências na opinião pública.

Spiegel: Estudos recentes, porém, revelam que as qualificações dos imigrantes norte-americanos são muito mais variadas do que se pensa em geral. Particularmente nas grandes cidades, eles fazem todo tipo de trabalho –são médicos, advogados, trabalhadores braçais, ou o que for. Isso não deveria suavizar a oposição à entrada de imigrantes?
Hainmueller: Pelo contrário, acredito que o debate vai ficar ainda mais quente nos próximos meses. Apesar da preferência por imigrantes altamente qualificados, os dados sugerem que o público americano está profundamente dividido sobre os benefícios da imigração para o país. E outros pontos delicados continuam sem resolução, como a questão contenciosa dos imigrantes ilegais. Essa fissura da sociedade será intensificada quando os políticos começarem a mobilizar os eleitores com uma retórica contra os imigrantes.

Spiegel: Uma grande parte do crescimento econômico nos EUA, contudo, não seria possível sem esses trabalhadores estrangeiros.
Hainmueller: Politicamente, pode ser muito difícil comunicar aos eleitores esses benefícios de longo prazo da imigração. É mais fácil mobilizar as pessoas contra a imigração do que tentar reunir apoio em favor dela. Os eleitores muitas vezes são facilmente convencidos por uma retórica populista que mostra os imigrantes como ladrões dos empregos dos nativos, como um peso para o sistema previdenciário e uma perturbação das comunidades locais. Apesar dos estudos encontrarem poucas evidências empíricas sistemáticas para corroborá-las, essas mensagens ainda tendem a cair bem entre muitos eleitores.

Spiegel: Quais conclusões podem ser aplicadas a outros países, tais como a Alemanha? A atitude em relação à imigração pode ser comparada?
Hainmueller: Há muito menos dados sobre esta questão fora dos EUA. Entretanto, algumas evidências apontam para uma direção similar. Por exemplo, em um estudo anterior, descobrimos que na Alemanha e em todos os outros 22 países incluídos na Pesquisa Social Europeia, há uma forte correlação positiva entre o nível educacional dos cidadãos e o apoio a todos os tipos de imigração. Isso inclui apoio aos imigrantes mais qualificados de países europeus e não europeus mais ricos. Então, alemães mais qualificados têm maior probabilidade de receber bem imigrantes altamente treinados digamos da França e dos EUA, apesar de talvez competirem com eles no mercado de trabalho.

Spiegel: O debate público alemão não é estimulante, porém. Todo mundo se lembra da campanha “Kinder statt Inder” (filhos em vez de indianos) em 2000, que instou os alemães a terem mais filhos em vez de atraírem imigrantes altamente qualificados da Índia e de outros países, quando o chanceler na época, Gerhard Schröder, apresentou um programa de cidadania para trabalhadores do setor de IT.
Hainmueller: O que ressalta outra importante diferença: comparados com os americanos, os eleitores na Alemanha em geral se opõem mais fortemente à imigração. Esse cepticismo profundo torna mais fácil para os políticos explorarem o sentimento anti-imigração. A sociedade alemã como um todo foi muito mais longe em apreciar os benefícios da pluralidade –nos EUA, os latinos perfazem mais de 25% dos eleitores em cerca de 20% dos distritos.

Spiegel: Isso não é de fato contraproducente, dado que a Alemanha com seu baixo índice de natalidade precisa mais urgentemente da imigração que os EUA?
Hainmueller: A situação na Alemanha é similar a uma bomba relógio demográfica. Diante de uma população que está encolhendo e envelhecendo, quase todos os especialistas concordam que o país precisa desesperadamente absorver mais imigrantes para superar carências severas de mão de obra e resgatar seu sistema previdenciário. A Alemanha também precisa integrar melhor suas populações de imigrantes existentes.
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Reportagem: Gregor Peter Schmitz Em Washington
Tradução: Deborah Weinberg

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