terça-feira, 11 de maio de 2010

O francês mais cortejado pelos estúdios de cinema

Audiovisual:
Thierry Frémaux assiste a 800 filmes por ano
para fazer a seleção oficial do
Festival de Cannes

O cargo de diretor-geral de Cannes, ocupado por Frémaux desde 2007, é nomeado por dois ministros na França

Ainda que não precise circular por Cannes cercado de seguranças, como ocorre com as celebridades nesta época do ano na Riviera Francesa, Thierry Frémaux é atualmente o "todo-poderoso" do maior festival de cinema do mundo.
Diretor-geral de Cannes desde 2007 (cargo aprovado na França pelos ministros da Cultura e das Relações Exteriores), é ele quem escolhe os filmes da mostra oficial, após assistir a cerca de 800 títulos por ano. É Frémaux, também, quem recepciona os cineastas, os astros e as estrelas no topo das escadarias do lendário Palais des Festivals, antes de cada sessão de gala.
Apesar das pressões (vindas tanto dos diretores quanto dos grandes estúdios, que querem ver seus filmes entre os selecionados), o diretor de 49 anos sempre faz o seu trabalho parecer fácil e prazeroso. "Victor Hugo costumava dizer: 'Eu admiro como um bruto [no sentido de uma pessoa simples]'. E deve ser assim. Se você perder esse sentimento de admiração, é preciso mudar de emprego!".
A seguir, os principais trechos da entrevista que Frémaux concedeu ao Valor, por e-mail, a poucos dias da abertura da 63ª edição do evento. A maratona será inaugurada amanhã, com "Robin Hood", do britânico Ridley Scott (fora de competição), trazendo entre os concorrente à Palma de Ouro os novos trabalhos do inglês Mike Leigh ("Another Year"), do mexicano Alejandro Gonzalez Iñarritu ("Biutiful"), do iraniano Abbas Kiarostami ("Certified Copy") e do japonês Takeshi Kitano ("Outrage").

Valor: Depois de uma memorável edição no ano passado, com Pedro Almodóvar, Alain Resnais, Quentin Tarantino, Michael Haneke, Ken Loach, Ang Lee, Lars von Trier e outros grandes nomes do cinema na competição, foi difícil chegar à seleção deste ano? Uma seleção forte coloca mais pressão sobre a programação do ano seguinte?
Thierry Frémaux: Quando a edição anterior não foi boa, a próxima edição é difícil. Mas quando ela foi boa, como a excepcional seleção de 2009, é ainda mais difícil programar o próximo ano. Para piorar as coisas, este é o ano em que sentimos mais fortemente os efeitos da crise financeira. Os filmes levam geralmente 18 meses para ficar prontos e há 18 meses a crise global estava começando. O cinema é, antes de tudo, uma arte industrial que requer recursos financeiros. E quando há menos dinheiro, a saúde do cinema de autor também é atingida. Normalmente, o cinema de autor mais radical é o que sempre encontra mais dificuldade de financiamento. Ainda assim, não deixamos isso afetar a qualidade da seleção de Cannes deste ano. Acho que ela está muito boa também.

Valor: Woody Allen e Jean-Luc Godard não aceitaram participar da competição este ano ("You Will Meet a Tall Dark Stranger ' ' , de Allen, tem exibição hors concours, e "Film Socialisme ' ' , de Godard, está na mostra Un Certain Regard). Está cada vez mais difícil convencer os cineastas consagrados a disputar a Palma de Ouro?
Frémaux: Woody Allen sempre se recusa a participar da competição ou do júri. De certa forma, o que deixa um cineasta relutante em se deixar devorar na competição são as duras críticas que os filmes candidatos à Palma muitas vezes recebem. Mas, felizmente, a Palma de Ouro ainda representa uma meta extraordinária para a maioria dos diretores.

Valor: Há apenas um filme dos EUA em competição, "Fair Game", de Doug Limon. Isso também é um reflexo da crise financeira?
Frémaux: Sim, acho que a crise é a principal responsável. O cinema de autor americano, até mesmo de diretores como Paul Thomas Anderson, é frágil. Não vejo problema em manter superproduções como "Avatar", mas eles deveriam continuar apoiando os diretores da nova geração, com projetos de orçamento mais baixo. Espero que a situação se modifique no próximo ano. O cinema de autor americano tem sofrido muito recentemente.

Valor: Nenhum longa brasileiro concorre à Palma este ano. Qual a sua opinião sobre o cinema brasileiro atual?
Frémaux: O cinema brasileiro continua criativo e surpreendente, mantendo a tradição maravilhosa que tem. Se colocarmos de lado os diretores mais internacionais, como Walter Salles e Fernando Meirelles, os jovens autores são os que hoje em dia fazem os filmes superbrasileiros, ou seja, os mais nacionais, como também fazem os romenos, os coreanos e os mexicanos. Não há nenhum filme em competição, mas o brasileiro Carlos Diegues estará em Cannes para participar do júri de curtas-metragens e para apresentar o filme que ele produziu com os jovens das favelas ("5 X Favela - Agora Por Nós Mesmos").

Valor: Por ser o maior festival do mundo, os críticos esperam ver uma obra de arte todos os dias em Cannes. Acha isso um pouco injusto? Cannes é um reflexo do que acontece na produção mundial...
Frémaux: Sim, é muito injusto, sobretudo para os filmes e os cineastas. Nós somos todos dependentes de cinema, mas o problema é que os críticos são mais exigentes em Cannes do que em outros lugares. Um filme que recebe críticas negativas em Cannes continua queimado seis meses depois. E tudo isso justamente porque se espera muito dos títulos exibidos no festival. Mas essa é a tradição Cannes, onde as pessoas brigam para ver os filmes. Tudo isso é o amor pelo cinema.

Valor: Como consegue ver centenas de filmes por ano e manter o frescor no olhar? Ou mesmo manter o entusiasmo, já que muitos críticos se mostram cada vez mais difíceis de agradar?
Frémaux: Para mim, o cinema vive hoje uma fase emocionante. O problema é que muitos críticos interpretam entusiasmo como fraqueza intelectual. Eu, não. Acho que a generosidade dos olhos e o entusiasmo da paixão são fundamentais. Não dá para viver sem isso.

Valor: Quais as suas melhores lembranças de Cannes?
Frémaux: Ver Nicole Kidman subindo as escadarias do Palais para a sessão de "Moulin Rouge". Eu também gostei da cerveja que Clint Eastwood e eu bebemos durante a projeção de "Sobre Meninos e Lobos", já que ele não quis rever o filme em Cannes. Sean Penn foi um excelente presidente do júri. E nunca me esqueço de Aki Kaurismaki, quando ele subiu ao palco para receber o Grande Prêmio das mãos de David Lynch (por "O Homem Sem Passado") e este lhe perguntou: 'Quem é você?'.
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Reportagem: Elaine Guerini, para o Valor, de Cannes
Fonte: Valor Econômico online, 11/05/2010

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