sábado, 8 de maio de 2010

Robert McKee: "Ignore as partes chatas da vida"


O professor de roteiro mais famoso de Hollywood
vai ensinar a fórmula que
já rendeu 33 Oscars e 168 Emmys

Antes de levar 17 estatuetas do Oscar com a trilogia O Senhor dos Anéis, Peter Jackson teve aula com ele. Akiva Goldsman, criador do argumento de Uma mente brilhante, também levou seu primeiro Oscar para casa depois de ter ouvido seus conselhos. Kirk Douglas aprovou. John Cleese e Quincy Jones gostaram tanto do que ouviram que se inscreveram mais duas vezes. Robert McKee é o professor de escrita criativa mais famoso de Hollywood – já ganhou até um personagem no filme Adaptação, de 2002. Mostrou o caminho mais eficiente para levar o Oscar a 33 ex-alunos, além de outros 168 premiados com o Emmy. Quer fazer a mesma coisa com os brasileiros entre os dias 15 e 18 (detalhes em mckeestorybrasil.com), quando ministra pela primeira vez aqui o aclamado curso Story, baseado na “bíblia” homônima já traduzida para 30 línguas. Segundo ele, não há segredo, só coragem para inovar.

ENTREVISTA - ROBERT MCKEE*


ÉPOCA – Qual é o segredo de um bom roteiro?
Robert McKee – Seria o mesmo que perguntar qual é o segredo da boa música. Não há segredo. Para contar uma boa história é preciso ir até a biblioteca pública da esquina. É uma forma de arte em que se deve recorrer aos estudos, à pesquisa, a um curso superior. Assim como um bom compositor precisa se graduar para compreender os princípios da composição.

ÉPOCA – O senhor acredita que qualquer pessoa pode escrever uma boa história?
McKee – Você precisa ter talento, ser inteligente, ter uma profunda experiência de vida e conhecimento do assunto que os personagens vão tratar. Com conhecimento e inteligência, a criatividade ganha força. Na verdade, bem poucas pessoas podem escrever bem.

ÉPOCA – Como é seu curso? O senhor ensina algum truque?
McKee – Não. A primeira coisa é se comprometer com a inteligência e a sensibilidade dos espectadores. Você deve dar às pessoas uma história que desperte interesse e que as envolva com a humanidade dos personagens. Não há regras. Aqueles que pensam com regras fazem um trabalho artificial. O que existe são princípios. Princípios de expressão visual, assim como há princípios para compor e pintar em escolas superiores. Os princípios norteiam os “artistas do enredo” quando levam seus trabalhos para o palco, para uma página ou para a tela.

ÉPOCA – Qual seria o primeiro passo para escrever uma boa história? Um tema interessante?
McKee – Na prática, descobre-se o enredo enquanto ainda se está escrevendo. Você pode, sim, ter uma ideia antes de começar a escrever, mas não precisa dela necessariamente para começar. Pode escolher iniciar o texto com um personagem, uma situação qualquer da vida, menção à infância, ao casamento, à política. A partir daí, começa a desenvolver as cenas, explorando elementos com uma pesquisa benfeita e muita imaginação. Começar a escrever com uma ideia pronta de como a história vai começar e de como ela vai terminar é coisa rara.

ÉPOCA – Mas encontrar o final não é tão importante quanto saber como começar?
McKee – Encontrar o final é o mais incrível salto criativo. É a peça mais importante que o escritor desenvolve. Mas achá-lo é um longo processo. Tem de haver muita experimentação e improvisação. O clímax final é a concentração de todos os significados, todas as emoções. É quando acontece a profunda revelação da verdade do personagem.

ÉPOCA – Você acredita que esses princípios podem ser úteis para escrever peças teatrais, reportagens, romances?
McKee – Sim, claro. Meu curso se chama Enredo (Story). Documentaristas, historiadores, biógrafos, produtores e diretores de cinema e de TV estão constantemente descobrindo histórias atuais e reais. Contar histórias é a forma universal de comunicação, e os princípios para contar histórias são os mesmos, não importa a mídia.

"Não há regras. Aqueles que pensam com regras fazem
um trabalho artificial. O que existe são princípios"


ÉPOCA – Você ainda aprende com seus alunos?
McKee – Sim. Os que são inovadores estão sempre me ensinando. Há uma série de TV chamada Damages (AXN), cuja estrela é Glenn Close, que é escrita por três ex-alunos meus. Eles criaram algo extraordinário usando flash forwards (cena que avança no tempo em relação à trama principal) como eu nunca tinha visto antes. Outro dia almoçamos juntos em Nova York, e eles me contaram sobre como tiveram essa ideia – e me deram um gancho para uma nova edição do livro (Story - Substância, estrutura, estilo e os princípios da escrita de roteiro). Na sala de edição, começaram a experimentar algumas coisas e descobriram essa técnica, que algumas vezes irrita as pessoas, mas a maioria gosta bastante.

O OUTRO EU
Brian Cox interpreta McKee e aconselha Nicolas Cage, que dá vida a Charlie Kaufman no filme Adaptação, de 2002

 
ÉPOCA – O senhor não acha que seu curso pode uniformizar o modo da escrita de roteiros no futuro?
McKee – Sempre repito a meus estudantes: não anotem nada no meu workshop como se fosse uma fórmula. Eles têm de criar sua própria forma. Eu sei que algumas pessoas se desesperam e só querem obter sucesso. Não querem ser inovadoras, querem copiar. Voltemos à analogia da música: não existe fórmula para música, mas muitas pessoas imitam o que já foi feito, não imitam? Elas copiam umas às outras porque querem alcançar o mesmo sucesso. Eu ensino a fórmula para libertar os escritores, cujo conteúdo é eternamente flexível, e assim fazer algo realmente verdadeiro e bonito.

ÉPOCA – Como foi participar do filme Adaptação, de 2002?
McKee – Quando me convidaram, pedi para ler o roteiro. Disse que não poderia ser personagem de um filme ruim (risos). E, naquele momento, eles estavam com alguns sérios problemas no roteiro. Também disse que eu teria de ter controle do elenco. Meu querido amigo Brian Cox é um ator maravilhoso, que soube criar meu personagem de forma honesta e engraçada.

ÉPOCA – No filme, quando Nicolas Cage pergunta sobre a possibilidade de escrever um roteiro em que não acontece muita coisa, “assim como é a vida”, seu personagem discorda, aos gritos. Você está de acordo com ele?
McKee – Claro. Alfred Hitchcock disse: “História é a realidade sem as partes chatas”. Ignore as partes chatas da vida. Não escreva sobre elas porque isso não vai significar nada na tela. Concentre-se nos pontos de mudança do ser humano. Senão, contar histórias não faria nenhum sentido.
 
*QUEM É
Nasceu em Detroit, em 1941. Formou-se em literatura inglesa na Universidade de Michigan. Fez pós-graduação em artes cênicas

O QUE FAZ
Seu livro Story – Substância, estrutura, estilo e os princípios da escrita de roteiro, publicado em 1997, é considerado a “bíblia” de roteiristas. Há 25 anos dá o curso de roteiro mais famoso de Hollywood
___________________________
Reportagem: Livia Deodato
Fonte: Revista ÉPOCA online, 07/05/2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário