segunda-feira, 21 de junho de 2010

Edgar Morin - Entrevista

 ‘Esposar os combates de seu tempo’


Como resistir durante a ocupação, mas também hoje, época da colonização dos territórios e dos imaginários? Esta é a pergunta que Edgar Morin respondeu na segunda-feira, 7 de junho, no auditório do Le Monde durante um encontro intitulado “Elogio da Resistência”, poucas semanas após o lançamento de uma edição especial do Le Monde Hors-Série dedicada a este "filósofo indisciplinado" [Nicolas Truong. Edgar Morin, le Philosophe indiscipline. Itinéraire d'un penseur sans frontières, n. 3].
“Filósofo”, porque ele trabalhou em todas as áreas do conhecimento: sociologia, antropologia ou história recente, mas também na biologia ou nas ciências da informação, e porque tentou captar o significado e a complexidade, especialmente através de sua grande obra, O Método (1977-2006).
“Indisciplinado”, porque soube resistir não apenas à ocupação nazista, mas também à disciplina do Partido Comunista, do qual foi expulso em 1951 porque se opôs à guerra na Argélia, mas denunciou muito cedo os ataques da Frente de Libertação Nacional (FLN) contra os partidários de Messali Hadj (1898-1974), um dos pioneiros da luta anti-colonial da Argélia. Porque resistiu à tendência e à onda estrutural ou pós-moderna que proclamou a “morte do homem”, o “desaparecimento do sujeito” ou o “fim das grandes narrativas”.
Edgar Morin, no entanto, não colocou tudo no mesmo plano. E conhece esta mescla de acaso e necessidade que produz um destino: “O que teríamos feito sem a resistência? Teríamos uma carreira. Com a resistência, tivemos uma vida”, gosta de repetir. Ele também sabe que há grandes e pequenas resistências. Aquelas pelas quais precisamos saber arriscar a vida, outras apenas a sua reputação.
É preciso saber dizer “não” quando os direitos humanos são violados. Mas também dizer “sim” à inventividade política, econômica, social ou educacional. “Não” a camisas de força disciplinares que esclerosam, segundo ele, a vida escolar e universitária, mas “sim” à transdisciplinaridade e às práticas pedagógicas que favorecem a aprendizagem de conhecimentos, mas também a cooperação solidária e o conhecimento da era global. “Não” ao “choque de culturas”, mas “sim” a uma simbiose, a uma osmose, a uma política de civilizações. Assim, concebe a resistência como um ato libertador e criador.
Setenta anos depois do apelo de 18 de junho de 1940, Edgar Morin ainda se mantém fiel ao espírito do Conselho Nacional da Resistência (CNR). Porque, assim como escreveram em 2004 grandes veteranos das Forças Combatentes da França Livre em um rotundo “Apelo à resistência”, o CNR foi ao mesmo tempo a frente de rejeição da ocupação, mas também um laboratório de inovações políticas de primeira ordem, o que permitiu tanto o nascimento da Previdência Social, como a expansão da liberdade de imprensa.
E de saída, para o uso de todas as gerações ameaçadas por uma “amnésia generalizada” de conquistas cívicas e sociais repudiadas ou pela “tomada de controle da grande mídia pelos interesses privados”, esta palavra pode resumir a trajetória de Edgar Morin, um dissidente do pensamento: “Resistir é criar.”
Por que e como você entrou novamente na Resistência?
Eu retornei não sem dificuldades. Adolescente durante a guerra, eu era primeiramente pacifista. Por temperamento, mas também por causa de uma forte corrente que atravessava a França, ainda traumatizados pela sangrenta guerra de 1914-1918. Em 1938, eu entrei num grupo dissidente, o Partido Frentista, liderado por Gaston Bergery, que lutou contra o fascismo e o estalinismo. Também fiquei com a ideia de que sempre devemos lutar em duas frentes ao mesmo tempo.
Em junho de 1940, eu ganhei Toulouse, onde trabalhei com estudantes refugiados e onde conheci várias figuras importantes da vida intelectual e da resistência, como o poeta Jean Cassou. Assim como muitos, eu pensava que a dominação da Alemanha seria implacável, imbatível.
Mas eis que a esperança renasceu em 1941, quando as tropas nazistas foram detidas às portas de Leningrado e Moscou por causa do inverno precoce e, em seguida, pela decisão japonesa de não invadir a Sibéria para lançar o seu ataque sobre Pearl Harbor, o que precipitou a entrada dos Estados Unidos na guerra. Foi nesse momento que dei esse passo.

Vacinados contra o estalinismo, por que então se envolver na resistência ao lado do Partido Comunista Francês?
Leitor não apenas de Léon Trotsky, mas também de Boris Souvarine, um dos fundadores do Partido Comunista Francês, que cedo denunciou os crimes de Stalin e os impasses do bolchevismo, eu estava completamente imunizado contra o estalinismo, mas me tornei um “comunista de guerra”, um submarino do PCF.
Leituras como a de Hegel com as suas “astúcias da razão”, ideia segundo a qual o sentido da história se desenrola apesar dos interesses e das paixões dos homens que a fazem, me levaram a pensar que Stalin, apesar de tudo, ainda carregava a ideia da revolução. A do marxista Georges Friedmann, em Da santa Rússia à URSS, que explicava que o culto do líder era necessário para unificar um país composto de regiões diferentes e que o verdadeiro socialismo poderia prosperar após o fim do cerco capitalista, me levaram a aderir a este movimento, a esta religião que foi para mim como uma família, uma placenta.

Em que estado de espírito você vive na Resistência, e como alguém chega a se decidir a arriscar a vida para defender seu país?
Cabe assinalar em primeiro lugar que eu era um resistente de tipo médio. Nem um resistente da primeira hora, nem um líder importante. Dito isto, senti a dificuldade de pular na água. Duvidei, hesitei. Mas a vontade de participar de algo maior que eu, de esposar os combates de meu tempo, prevaleceu.
E depois há a fraternidade, o impulso, a fé no futuro que nos arrebatava. Eu escapei das prisões, da tortura e da morte várias vezes. Eu me lembro especialmente do meu assistente, Jean Krazatz, este antifascista alemão com quem tinha combinado uma conversa, em 1943, no cemitério de Vaugirard, em Paris. Ao não encontrá-lo, em seguida, tratei de ir ao seu hotel, perto da Sorbonne. E depois, já nas escadas, eu não sei por que, fui acometido por um incompreensível cansaço. Em seu quarto, a Gestapo o havia feito prisioneiro e aguardava a minha chegada. Ela o torturou e o liquidou. Havia tantos encontros que não aconteceram por causa da morte...

Resistência ao nazismo e oposição ao estalinismo, resistência à colonização, mas recusa em apoiar a FLN quando se trata dos partidários do Messali Hadj, um dos pioneiros anti-colonialismo na Argélia... Resistir é também pensar contra o seu próprio campo?
Acontece que estou inclinado a obedecer ao que hoje chamo de “complexidade”, que implica em ver os dois aspectos contraditórios e, aparentemente, contrários de um mesmo fato, da mesma batalha.
É por isso que eu tentei, na revista Arguments (1956-1960), depois com Claude Lefort e Cornelius Castoriadis no Centro de Investigação e Estudos Sociais e Política, ou mesmo no Grupo dos Dez (1969-1976), rever os nossos modos de pensar simplistas.

A dissonância e a resistência são também intelectuais e espirituais?
Sem dúvida. É por isso que eu nunca considerei a sociologia como uma ciência, por exemplo, mesmo se ela comporta uma parte de cientificidade em suas verificações, mas também como uma forma de ensaio.
Por estas razões, eu recusei a redução da razão ao cálculo. É também por isso que eu tentei estabelecer uma ética que articula o poético com a prosa. A prosa está nas restrições que sofremos. A poesia é a emoção, o amor, a simpatia, a celebração, o jogo na resistência à crueldade do mundo e à barbárie humana, sempre há um sim que anima o não, um sim à liberdade, um sim à poesia da vida.
______________________
A reportagem e a entrevista são de Nicolas Truong e publicadas no jornal francês Le Monde, 11-06-2010.
A tradução é do Cepat.
Fonte: IHU online, 21/06/2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário