segunda-feira, 28 de junho de 2010

Paine, Blair e Cameron

Eduardo Suplicy*

RIO - Excelentíssimo senhor David Cameron, primeiro-ministro do Reino Unido:

Em maio passado, o novo governo inglês anunciou que, como parte das diretrizes de redução de gastos, extinguirá o Fundo Patrimonial da Criança. Faço um apelo no sentido de que esta decisão seja reconsiderada. Ministro Cameron, no seu país, viveram pessoas que deram extraordinárias contribuições para a história da humanidade. Thomas Paine, em 1795, em Justiça agrária, observou que a pobreza era algo que tinha sua origem na civilização e na propriedade privada. Nas vilas e cidades europeias de então havia maior pobreza do que na América, porque lá a propriedade era comum entre os índios. Considerava, entretanto, ser de bom senso que uma pessoa que cultivasse a terra e nela realizasse benfeitorias devesse ter o direito de usufruir do seu trabalho na sua propriedade. Mas era seu plano que toda pessoa que assim procedesse separasse parcela do seu ganho para um fundo comum. E, uma vez acumulado, pagar-se-ia a cada pessoa, ao completar 21 anos de idade, um capital básico e, ao completar 50 anos, uma renda básica anual. Não como caridade. Mas como direito de todos participarem da riqueza da nação.

Com base na reflexão de Paine, os professores Bruce Ackerman e Ann Alstott, da Universidade de Yale, em 1999, publicaram o livro The stakeholder society (A sociedade dos participantes), em que propõem que todo cidadão nos EUA, ao completar 21 anos, receba um capital básico de US$ 80 mil dólares. Um capital básico pode sempre ser transformado num fluxo de renda básica ao longo do tempo e vice-versa. Um dos alunos de Ackerman, amigo do primeiro-ministro Tony Blair, levou a ideia para a Inglaterra. Quando Blair anunciou que sua mulher estava grávida de seu quarto filho, propôs ao Parlamento que, daí para frente, todas as crianças em seu país recebessem, ao nascer, uma poupança de 250 libras esterlinas e, ao completar sete anos, mais 250 libras. Se a renda anual da família fosse inferior a 17 mil libras esterlinas, as quantias depositadas seriam de 500 libras. Com o rendimento dos juros, a criança, ao completar 18 anos, teria o direito de receber a quantia acumulada para iniciar sua vida adulta. Essa proposta foi aprovada como a lei que instituiu, em maio de 2003, o Fundo Patrimonial da Criança (Child Trust Fund), válido para todas as crianças nascidas a partir de 1º de setembro de 2002.

Nesta semana, nos dias 30 de junho, 1º e 02 de julho, na Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo será realizado o 13º Congresso Internacional da Rede Mundial da Renda Básica (Basic Income Earth Network). Pesquisadores de mais de 35 países analisarão cerca de 100 trabalhos sobre experiências de todo o mundo, sob o lema: “A renda básica como um instrumento de justiça e paz”. O Congresso apresentará congratulações ao Reino Unido por ter aplicado, depois de tanto tempo, as proposições tão bem fundamentadas por Thomas Paine. Portanto, fica o apelo ao primeiro-ministro: não dê um passo atrás. Mantenha o Fundo Patrimonial da Criança. Ele é um exemplo para todo o mundo.
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*Eduardo Suplicy é senador(PT-SP).
Fonte: JB online, 27/06/2010

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