sábado, 21 de agosto de 2010

Homens ainda não choram?

DEPRESSÃO MASCULINA

Educados para abafar sentimentos, pacientes do sexo masculino tendem a somatizar frustraçõesDizia-se que os homens não choram. Dizia-se que os homens sentem pouco e expressam ainda menos. Dizia-se que os homens falam pouco de suas intimidades e que evitam mostrar-se vulneráveis. Será que se continua dizendo?

Em Las Depresiones (Paidós, 2006), esbocei certas diferenças entre mulheres deprimidas e homens deprimidos. Neste texto me proponho particularizar certas características culturais da depressão nos homens como acredito que, pelas razões que mencionarei, está subdiagnosticada.

Este ano, 6 milhões de homens americanos escutarão o diagnóstico de depressão. São também milhões os que sofrem em silêncio, sem diagnóstico ou com diagnóstico errado, ou os que o tendo, recusam o tratamento, talvez porque “os homens não choram”.

Qual é o custo econômico das depressões? O Journal of the American Medical Association fez uma estimativa recente, para os Estados Unidos, em US$ 48 bilhões anuais. E a esse valor temos de acrescentar os gastos derivados: hospitalizações, consultas e exames de diagnóstico para problemas médicos que não foram diagnosticados como depressão, mas que o são. É por isso que recebem o nome de “depressão mascarada”. E já veremos o papel do mascaramento da depressão do homem, esse ser ao qual custa expressar seus afetos.

Poucas vezes o homem expressa a alteração do estado de ânimo através de sintomas psíquicos como tristeza, labilidade emocional ou ideias depressivas Por isso a depressão masculina está mais mascarada que a feminina e pode passar inadvertida quando o profissional – médico, psiquiatra ou psicólogo – não percebe que a depressão está se manifestando como anorexia, astenia, dores musculares, cefaleias, insônia, perda de peso, incapacidade de identificar as próprias emoções e, portanto, de expressá-las com palavras; esses depressivos só mencionam os sintomas físicos de seu mal-estar. Nesses casos as alterações do estado de ânimo não se expressam através de sintomas explicitamente psíquicos (tristeza, labilidade emocional ou ideias depressivas), mas a partir de alterações fisiológicas (anorexia, astenia, dores musculares, cefaleias, insônia, perda de peso).

Os deprimidos têm uma visão pessimista de si mesmos e do mundo, um sentimento de impotência e de fracasso. Seus dias são uma cansativa sucessão de rotinas e pesares, sem as pequenas “faíscas” de alegria da pessoa comum e quase sem motivos de deleite (intelectuais, estéticos, alimentares ou sexuais). Como se à vida faltasse cor, sabor e sentido. Nem todos os homens são silenciosos e vivem morrendo de abatimento. Alguns ocultam o vazio interior com o ruído da violência, o consumo de drogas ou a adição ao trabalho.

Percebem-se diminuição de energia e interesse, sentimentos de culpa, dificuldades de concentração, perda de apetite e pensamentos de morte ou suicídio. Há alterações nas funções cognitivas, na linguagem e nas funções vegetativas (como sono, apetite e atividade sexual) os quais costumam afetar o desempenho social, do trabalho e interpessoal.

Estão oprimidos em busca de estímulo. Estão ansiosos em busca de calma. Estão insones em busca de sono. A opressão se expressa na temporalidade (“não tenho futuro”), na motivação (“não tenho forças”) e na autoestima (“não valho nada”). Sentem-se esmagados por certa desesperança que os impede de contar com a energia necessária para formular novos projetos e deixar de remexer, nostalgicamente, as cinzas do passado. Porque o futuro, diferentemente do passado e do presente, tem que ser inventado. Porque inventar é uma brincadeira. E essas pessoas não sabem brincar ou sabem, mas esqueceram.

O alcoolismo e as adições, sem serem exclusivos da depressão masculina, às vezes se somam a ela como o outro lado do vazio depressivo. (E sabemos que o trabalho, os jogos de azar, etc. também podem ser adições). Depressão e adição formam um círculo vicioso. Busca-se a euforia artificial para escapar da apatia depressiva, mas o alívio é passageiro. O dano, ao contrário, é duradouro e acentua o sentimento de culpa.

Certos conflitos conjugais e familiares, a ausência por “culpa” do trabalho, o baixo rendimento escolar, o isolamento social e a falta de motivação podem ser depressões mascaradas. Um predomínio maior de depressões somatizadas se produz em pessoas que tendem à negação, à hiperatividade e a certo controle onipotente do entorno. Sua idiossincrasia não lhes permite distinguir vivências de impotência e de fracasso até que as alterações somáticas as evidenciem.

E qual é a causa das depressões? Observa-se, sem dúvida, um desequilíbrio neuroquímico. Mas também se observam a herança, a situação pessoal, a história, os conflitos neuróticos e humanos, a doença corporal e as condições histórico-sociais. Enquanto vamos desenvolvendo articulações nessa complexa constelação, um mínimo cuidado será o de evitar os reducionismos e tomar cuidado com as opiniões interessadas.

Nas depressões há dois elementos predominantes: uma perda e uma decepção. A auto-estima está baqueada. Poderia parecer um saco de gatos, pois na auto-estima “há de tudo”: história pessoal, realizações, teia de relações significativas, mas também projetos (individuais e coletivos).

A indústria farmacêutica costuma advogar o uso exclusivo da farmacoterapia, como se a química fosse a panaceia. A bioquímica pode aliviar certas depressões. Mas estas resultam de uma alteração da auto-estima no contexto dos vínculos e realizações atuais. Reconhecer os aspectos químicos das depressões não significa desconhecer os aspectos psíquicos nem os socioeconômicos. Mas postular que as depressões são somente biológicas é cientificamente falso e humanamente perigoso. As depressões têm a ver também com o desemprego, a marginalização, a pobreza extrema e a crise dos valores e ideais.

Qual é a forma de representar-se ideológica e simbolicamente o ser mulher ou homem em cada cultura, ou melhor, ainda, em cada subcultura? Como se configuram os mandatos acerca do que se deve ter e ser? Tento cuidar-me de todos os reducionismos: biologistas, “familiaristas”, sociologistas, estruturalistas. O gênero não pode ser pensado fora de uma cultura, sem enredar práticas ou discursos, sexualidade, ideais, valores, ideologia, poder, identidade, proibições.

Os homens são criados em nossa sociedade para ter êxito. Ser “forte” significa suportar a dor física e psíquica desvalorizando os afetos (particularmente a tristeza). Os homens enfrentam os lutos de maneira diferente das mulheres. “Ser fortes” é encarar a adversidade sem demonstrar emoções (sinal de fraqueza). A depressão e suas manifestações serão uma oportunidade de alcançar, entre todos, um novo modelo social de masculinidade, no qual seja possível a expressão de afeto e ternura.
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* Psiquiatra e psicanalista argentino, autor de “Prática Psicoanalitica y Historia” (1993)
POR LUIS HORNSTEIN*
Fonte: ZH online, 21/08/2010

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