quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Para dizer “sim” com convicção


A americana Elizabeth Gilbert (foto), autora do sucesso Comer, Rezar, Amar, falou a VEJA sobre como contornar as armadilhas do casamento:

Qual o conselho a senhora daria a alguém que está prestes a dizer “sim”?
Que tome uma decisão com conhecimento de causa. Quando estava conduzindo as pesquisas para meu livro, eu me choquei ao notar que muitas mulheres só descobriam quem era de fato seu parceiro bem depois do casamento – o que prenuncia um desastre conjugal. Proponho uma regra básica a eles e elas: pesquisem tudo sobre o futuro parceiro e não tenham medo de submetê-lo a sabatinas antes de subir ao altar. Procurem saber como é sua relação com os pais, como foi o ambiente de sua criação e em que medida espera que o cônjuge espelha a imagem que guarda disso. Boa parte das pessoas – em especial, os jovens – não se faz essas perguntas básicas. É um horror constatar que muitas mulheres de20 e poucos anos se casam apenas pelo desejo de viver uma bela cerimônia. Só têm cabeça para o vestido, o banquete, a daminha que vai entrar na igreja com as alianças. Querem só ter um dia de princesa, enfim.

A senhora aponta que uma das causas das crises conjugais é o fato de as mulheres terem expectativas desproporcionais em relação a seus parceiros. O que está ocorrendo?
Nos anos 20, quando se perguntava às jovens o que esperavam de um marido, elas listavam traços nobres de caráter: honestidade, confiabilidade, lealdade, decência, gentileza. Com o passar do tempo, essas expectativas foram se tornando demasiado idealizadas. Nos anos 50, uma garota da mesma faixa já diria: quero casar com alguém que eu ame. Desde então, a escolha passou a ser pautada pela expectativa de uma experiência romântica intensa. Hoje, as mulheres querem nada menos do que um homem que as “inspire”. Ou seja: exigem que seu pobre marido viva no auge do magnetismo e possa fazê-las sentir-se o máximo o tempo todo. Mas não creio que uma pessoa possa prover essa sensação a outra mais do que uma ou duas vezes ao mês.

A senhora diz que as mulheres nunca tiveram tanta liberdade e controle sobre o que querem de um casamento, mas ao mesmo tempo estão inseguras e confusas. Como é possível?
Se olharmos para o que ocorreu com as mulheres nas últimas décadas, isso fará sentido. Creio que ainda é muito cedo para sabermos lidar com essa experiência nova e fascinante que nossas antepassadas não tiveram chance de viver. Não dispomos de séculos e séculos de modelos, mulheres que nos mostrem como viver um casamento feliz quando se tem autonomia sexual e emocional, educação e o próprio dinheiro. Toda mulher nascida nos últimos 75 anos pode se considerar uma cobaia nesse experimento inédito. Estamos aprendendo como se faz.

No tempo dos casamentos arranjados não era pior?
Não dá para sentir nostalgia de um tempo em que a mulher não tinha controle sobre seu destino. Minha avó, que está com 97 anos, é testemunha disso. Ela não teve um dia de paz na vida, pois se casou com um homem difícil e se desdobrou para criar sete filhos em um ambiente rural pobre. Comparada à via-crúcis dela, minha existência é uma barbada.

Por que a senhora gosta de comparar o casamento a um pacto econômico?
Como em uma fusão entre empresas, os parceiros juntam suas fortunas – e suas dívidas. Antes de trocar alianças, é preciso que ambos tenham a consciência das condições do outro e acertem como essa sociedade funcionará. Se for o caso, inclusive, sem medo de encarar um acordo pré-nupcial. Nos Estados Unidos, diz-se que uma pessoa casada está a um divórcio de distância da bancarrota. Eu mesma e meu marido passamos por um tipo de situação que costuma deixar vítimas. Quando nos casamos, tínhamos um nível de renda bem parecido. De repente, com a explosão das vendas de Comer, Rezar, Amar, o dinheiro passou a ser abundante na nossa relação. Isso poderia causar melindres se eu deixasse de ser aquela mesma esposa com hábitos de consumo frugais. Ou se Felipe, como ocorre com muitos homens, se sentisse ameaçado pelo fato de a esposa ganhar mais do que ele. Mas ele é um sujeito tranquilão, que se contenta com o mínimo. Se o dinheiro que ganhei se evaporasse, nossa relação continuaria numa boa.

Como é possível conciliar diferentes comportamentos e pontos de vista em um casamento?
Temos dentro de nós algo que os psicólogos chamam de necessidades essenciais. São as demandas e expectativas inegociáveis – e que, quando abortada em uma relação, só trazem frustração. Ninguém pode ter todas as necessidades preenchidas por outra pessoa. Mas há duas ou três coisas de que não dá para abrir mão, e o parceiro ideal é aquele que as respeita e preenche. Eu tenho necessidade de ser afetuosa, e espero ser correspondida nisso. No passado, vivi uma paixão desesperadora por um homem que era um tipo mais frio e não se sensibilizava com meu jeito ultra-amoroso. Eu me sentia patética. Estava sufocando-o, e vice-versa. Meu companheiro atual corresponde plenamente a essa demanda, e isso responde por 90% da nossa felicidade. Ele é dezessete anos mais velho do que eu, não é rico e vem do Brasil, uma cultura muito distinta. Mas nada disso é problema, pois estou suprida do essencial. Sei que, se abraçá-lo no meio da noite, ele me devolverá com seus braços mais fortes ainda.

Estar juntos o tempo todo faz bem ou mal a relação?
Cada casal tem de encontrar o equilíbrio – e isso às vezes exige idas e vindas. Após 45 anos de união, meu pai passa a maior parte do tempo na fazenda, enquanto minha mãe prefere viver na cidade. Eles estão em fuga um do outro? Não. Nunca tiveram a mínima intenção de se divorciar. Se há uma verdade sobre o casamento, é que não se trata de um arranjo simples. Um ser humano sozinho já é bem complicado. Imagine dois juntos.
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Fonte: Revista VEJA impressa – Ed.2179 nº 34 – 25/08/2010 – pg.100-102.
Reportagem de Marcelo Marthe.

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