sábado, 28 de agosto de 2010

Sorte e felicidade

ROBERTO RODRIGUES*
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Em busca da felicidade, é preciso ter prazer no que se faz;
mas isso só não basta, é preciso ter sorte

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PARTICIPEI recentemente de um debate sobre formação profissional.

A escassez de engenheiros veio à tona e a questão da atração de jovens para essa função foi amplamente discutida. Como trazê-los para uma área tão essencial ao desenvolvimento da sociedade brasileira, se as carreiras ligadas às finanças são muito mais atrativas, inclusive com "promessas" de ganhos rápidos e significativos, e em pouco tempo?

Por que um jovem se arriscaria a ganhar muito menos e a trabalhar mais, sem os horizontes da riqueza vislumbrados no setor financeiro?

Aprendi na vida, em busca da felicidade, que um bom roteiro é ter prazer no que se faz. Levantar todo dia bem cedo, pensando nas coisas por fazer e sentir entusiasmo por fazê-las já é meio caminho andado.

Mas não basta: é preciso também saber fazer, para dar certo. Não adianta gostar da profissão se não houver dedicação a ela, aprendendo o que há de mais novo na atividade, estando sempre à frente dos outros. Mas também não basta: é preciso ter sorte!

É isso: gostar da profissão, saber exercê-la com perfeição e ter sorte.

Mas não seria essa uma visão superficial das coisas da vida? Sorte é assim tão fundamental? Afinal, não é certo o ditado, segundo o qual "Deus ajuda a quem cedo madruga"? Isso é, quem se dedica firmemente a uma tarefa não será recompensado?

Claro que há essa ligação direta, mas também é claro que a vida é mais fácil para uns do que para outros.

Nesse sentido, duas pessoas que se dedicam igualmente a um mesmo trabalho poderão ter resultados não equivalentes. E não se chama sorte o fato de nascer mais bem dotado de bens materiais, ou de estudar em melhores escolas: isso está explicado. Isso é favorecimento; sorte é a maneira como caem os dados, é um privilégio que determina a sucessão de coisas boas sem que haja uma atitude preliminar, independe do esforço realizado. A gente não acha a sorte: ela simplesmente aparece e faz a gente mais feliz.

E aí surge outra discussão: e a felicidade, como se obtém, o que é?

Basta ter sorte? Claro que não. Muito menos é ganhar bem, ter uma boa renda. Tanto é verdade que hoje se sabe que o PIB elevado não representa bem-estar da sociedade.

Por essa razão, a ONU já vem discutindo o IVH (Índice de Valores Humanos) em que, com base em educação, saúde e trabalho, são avaliados as expectativas, os sonhos, as aspirações e as percepções da sociedade, orientando até possíveis políticas públicas. Isso já é mais que o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que marca somente educação, saúde e longevidade.

Mas é menos que o FIB (Felicidade Interna Bruta), lançado pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy, e apoiado pelo Prêmio Nobel de Economia de 2001, Joseph Stiglitz, para quem não basta medir o resultado da economia, mas é preciso medir o bem-estar das populações beneficiadas pelo crescimento econômico.

Todos esses temas vieram à baila no referido debate: como atrair os jovens? Há diferentes aproximações para diferentes públicos. Na graduação, colocar emoção, de modo que os alunos se sintam bem com o curso. Os jovens são mais apaixonados, e devemos fazê-los amar a disciplina e, através dela, levá-los a amar o seu país, criando o sonho de participação na história do desenvolvimento do seu povo.

Já no mestrado e no MBA, os cursantes não são tão jovens: são profissionais trabalhando em área ligada ao curso. Nesse caso, a carga é muito mais de informação técnica do que de emoção. Isto é: na graduação, o gostar do que se faz; no mestrado, o saber fazer.

E torcer para a sorte sorrir para cada um e para todos.

Finalmente, perguntou-se, após todas essas questões serem debatidas, qual o melhor caminho para a felicidade. Isso já discuti neste mesmo espaço, há tempos, e reitero: a vida é um trem no qual se entra no nascimento e do qual se sai na morte. E os trilhos são o amor e a justiça.

Sobre eles é que se dá a viagem: a felicidade é a viagem, não é uma estação em particular.
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*ROBERTO RODRIGUES, 67, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV (Fundação Getulio Vargas), presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.
Fonte: Folha online, 28/08/2010

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