quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Carta revela desprezo por "mãe" do DNA

Imagem da Internet

Nos anos 1950, colegas questionavam
o trabalho de Rosalind Franklin;
ela morreu sem crédito pela descoberta
Só nos anos 2000 James Watson confirmou que
o modelo de dupla hélice não seria possível
sem os dados de Franklin

Cartas reveladas agora ajudam a contar a história da mulher mais injustiçada da ciência moderna.
Nelas, Rosalind Franklin, cujo fundamental papel na descoberta da estrutura do DNA hoje é reconhecido, é atacada pelo próprio chefe do seu laboratório, o biólogo molecular Maurice Wilkins, nos anos 1950. Eles se odiavam e mal conversavam.
"Espero que a fumaça de bruxaria saia logo das nossas vistas", escreveu ele em 1953 para o colega Francis Crick, querendo se ver livre dela.
Havia, na época, uma corrida desesperada por mostrar como era o DNA. Franklin, com trinta e poucos anos, acabou sendo jogada para fora da pista pelos colegas.
Competiam dois grupos. De um lado, o de Wilkins, esse que a chamou de bruxa, no King's College de Londres, onde ela estava. De outro, Crick e James Watson, na Universidade de Cambridge.
A jovem Franklin avançava rápido. Em 1952, obteve com raio-X ótimas imagens de DNA, em especial uma delas, conhecida simplesmente como "a fotografia 51".
Ficou com essas imagens por meses, mas não teve o insight de perceber que se tratava de uma dupla hélice, como uma escada em caracol.
Um aluno de Franklin, intrigado com a questão em aberto, mostrou a foto 51 a Wilkins, sem que a sua orientadora soubesse, querendo saber se ele teria alguma proposta de estrutura. Wilkins compartilhou a imagem com os colegas de Cambridge.
Lá, Crick e Watson tiveram o lampejo que Franklin não teve. Em 1953, publicariam um artigo na revista "Nature" com a proposta de estrutura, hoje consagrada. Wilkins escreveu um comentário. Franklin não foi citada.
Ela viria a morrer em 1958, com câncer no ovário, aos 37, sem reconhecimento e sem saber que o trio que publicou na "Nature" tinha visto seus dados -achou, aliás, que as conclusões deles faziam sentido, e que tinham encontrado resultados parecidos com os dela independentemente.
Em 1962, ganharam o Nobel de medicina -o papel de Franklin ainda era desconhecido e, mesmo que não fosse, não há Nobel póstumo.
As cartas mostram, porém, que os três tinham consciência de que não conseguiriam o Nobel sem o trabalho dela.
Logo após a publicação na "Nature", Wilkins escreve para Crick: "E pensar que Rosie teve todas aquelas imagens em 3D por nove meses e não viu uma hélice. Cristo."
Só a partir do final dos anos 1960 ela começou a ser reconhecida. Em 2000, o próprio Watson citou o seu papel na descoberta. Segundo ele, ela só não soube interpretar seus próprios dados. Ficou para a história como a "dama sombria" da descoberta da dupla hélice.
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REPORTAGEM POR RICARDO MIOTO DE SÃO PAULO
FONTE: Folha online, 30/09/2010

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