domingo, 26 de setembro de 2010

Cientistas querem desvendar segredo para o aumento da longevidade

Samiha Shafy

Como é possível viver mais do que um século e, mesmo assim, manter-se saudável e lúcido?

Como é possível viver mais do que um século e, mesmo assim, manter-se saudável e lúcido? Os cientistas acreditam que pode haver fatores genéticos envolvidos nisso. Os irmãos Kahn, dos Estados Unidos, de 108, 104 e 100 anos de idade, estão ajudando os pesquisadores a desvendar esses segredos.
Helen tem 108 anos de idade. Ela detesta saladas, verduras, legumes, acordar cedo e praticamente tudo que tenha algo a ver com um estilo de vida saudável. Helen adora hambúrgueres, chocolate, coquetéis e a vida noturna de Nova York: todos os restaurantes exóticos, espetáculos da Broadway, cinemas – onde ela assistiu recentemente ao filme “Homem de Ferro 2” - e o Metropolitan Opera. Foi lá que ela assistiu à sua primeira ópera, “Sansão e Dalila”, em 1918. A entrada foi um presente do pai dela para o seu aniversário de 17 anos.
E é claro que ela também gosta de fumar: “Eu fumo há mais de 80 anos, o dia todo, todos os dias. Isso significa uma quantidade enorme de cigarros”, admite Helen, que é conhecida pelo apelido “Happy” (“Feliz”) desde criança. A seguir ,ela sorri e senta-se novamente no seu sofá macio. Essa mulher de 108 anos de idade é tão pequena e delicada que parece quase desaparecer em meio à mobília estofada de veludo. Ela está usando uma calça comprida amassada, um cardigã cor-de-rosa com babados, um xale combinando com o rosa e vários colares de pérolas. Os cachos dos seus cabelos castanhos-claros curtos estão perfeitamente trabalhados por um secador e ela usa rouge e batom. A sua pele é macia e quase sem manchas, e os olhos castanhos brilham alegremente por detrás dos seus óculos.
Desde que teve um derrame, cinco anos atrás, a sua pronúncia ficou um pouco prejudicada. Mas a mente dela está alerta, a sua curiosidade é intensa como sempre e a sua memória é muitas vezes melhor do que a da sua assistente filipina de 37 anos. Atualmente Happy está se tratando devido a um resfriado e não pode se esforçar demais – de forma que está recebendo os visitantes no seu apartamento na Avenida Park, e não no restaurante da esquina ou em um dos seus outros restaurantes favoritos. “Mas, no sábado, nós nos encontraremos com o meu irmão Irving para almoçarmos, está bem?”, diz ela.

Viajando pelo mundo aos 84 anos de idade

Helen Faith Keane Reichert, nasceu em 11 de novembro de 1901 no bairro de Lower East Side, em Manhattan. Filha de imigrantes judeus da Polônia, ela é psicóloga, especialista em moda, ex-apresentadora de televisão e professora emérita da Universidade de Nova York. Happy casou-se com um cardiologista e não teve filhos. Quando o seu marido morreu, 25 anos atrás, aos 88 anos de idade, ela decidiu, aos 84 anos, dar uma volta ao mundo, visitando a Irlanda, a Espanha, a Itália, a Turquia, o Egito, a China, o Japão e a Austrália. A viagem foi a forma que ela encontrou de lidar com a sua perda. “O único lugar que eu não visitei foi a Índia, mas eu gostaria de fazer uma viagem para lá”.
Nos seus anos dourados, Happy, a mulher indestrutível, atraiu a atenção dos cientistas – juntamente com os seus irmãos Irving, 104, e Peter, 100, e também a irmã Lee, que morreu em 2005 aos 102 anos de idade.
Os integrantes do suposto quarteto de irmãos mais velhos do mundo forneceram amostras de sangue e foram submetidos a várias horas de entrevistas com pesquisadores da longevidade humana de Boston e Nova York. Esses estudos têm por objetivo resolver questões que têm se tornado cada vez mais urgentes para as sociedade em processo de envelhecimento dos países industrializados: como é que alguns indivíduos sortudos conseguem viver até os 100 anos ou mais – mantendo-se, apesar disso, incrivelmente saudáveis e ativos? Por que os centenários geralmente representam um peso menor para o sistema de saúde do que os mortais comuns?

A expectativa de vida continua aumentando

Os demógrafos calcularam que a expectativa de vida das pessoas do mundo desenvolvido aumentou nos últimos 170 anos segundo uma taxa média de três meses de vida extras por ano. Na Alemanha, a expectativa de vida atual é de 82 anos para as mulheres e de 77 para os homens, e não há um fim à vista para esta tendência de aumento da longevidade. Como é que nós poderíamos impedir que essa população cada vez mais idosa fosse infernizada pelos males típicos da idade avançada, incluindo doenças prolongadas e enfermidades como a arteriosclerose, o diabetes, o câncer e o mal de Alzheimer? Será que as vidas dos indivíduos que viveram mais de um século proporcionam receitas para o combate às iminentes enfermidades de uma sociedade que envelhece rapidamente?
Nos Estados Unidos existem cerca de 50 mil pessoas com mais de 100 anos de idade, e na Alemanha um pouco menos de 6.000. Um dentre cada sete milhões de indivíduos vive até os 110 anos ou mais – e existe até uma palavra especial para designar esses anciãos: super centenários. Equipes de pesquisas de todo o mundo estão procurando centenários e super centenários para examinarem os seus genes e históricos médicos e de vida em busca de explicações para esse fenômeno.
O médico israelense Nir Barzilai e a sua equipe do Instituto de Pesquisa do Envelhecimento da Faculdade de Medicina Albert Einstein em Nova York fez perguntas a centenas desses indivíduos centenários, incluindo questões relativas a detalhes sobre os seus estilos de vida, nutrição, consumo de álcool, fumo, atividade física, sono, educação, status socioeconômico e espiritualidade –, tudo isso na esperança de encontrarem fatores comuns a todos os casos.

“Não há padrão para uma idade avançada saudável”

Os resultados não são animadores: “Não existe um padrão”, afirma Barzilai, 54. “As recomendações usuais para uma vida saudável – não fumar, não beber, praticar muito exercício, uma dieta bem equilibrada, manter um peso baixo – aplicam-se para nós, as pessoas comuns”, diz o pesquisador. “Mas não para eles. Os centenários estão em uma categoria própria”. Ele tira tabelas e gráficos de uma gaveta, ajusta os óculos e lê em voz alta: “Aos 70 anos de idade, um total de 37% dos indivíduos por nós estudados apresentava sobrepeso, e 8% eram obesos; 37% fumavam, em média durante 31 anos; 44% disseram que só se exercitavam moderadamente; 20% jamais se exercitaram”.
Mas Barzilai observa rapidamente que as pessoas não devem começar a questionar a importância de um estilo de vida saudável: “As mudanças de estilo de vida recomendadas atualmente de fato contribuem para determinar se uma pessoa morrerá aos 85 ou aos 75 anos de idade”. Mas o pesquisador diz que, para que um indivíduo chegue aos 100 anos de idade, é necessário que ele possua um perfil genético especial. “Essas pessoas envelhecem de maneira diferente. Mais lentamente. Eles acabam morrendo das mesmas doenças que nós – só que 30 anos mais tarde, e geralmente mais rapidamente, sem longos períodos de sofrimento”.
Outros pesquisadores do envelhecimento humano chegaram a conclusões similares: “Eu tenho um pouco de sobrepeso e não me exercito muito”, diz Stefan Schreiber, 48, diretor do grupo de pesquisa de envelhecimento saudável da Universidade de Kiel, que também realizou estudos com indivíduos centenários. “Se acreditasse firmemente que isso fosse fazer qualquer diferença, eu mudaria esse quadro”.

Nada de aposentadoria aos 104 anos

Obesidade, tabagismo e um nível extremamente reduzido de atividade física certamente não são fatores que promovem uma boa saúde. Mas as entrevistas conduzidas pelo pesquisador não revelaram nenhuma fórmula mágica relativa à maneira como nós devemos viver, comer e nos comportar para chegarmos a uma idade avançada: “Nenhum dos centenários fez uma dieta a base da algas”, brinca Schreiber. “Muitos deles só beijaram uma única mulher em toda a vida. Será que este é o segredo para se chegar aos 100 anos de idade?”.
Irving, de 104 anos de idade, o irmão mais novo de Happy, pode ser encontrado nos dias de semana das 8h30 às 15h30 em uma rua paralela que fica a três quarteirões de distância do apartamento da sua irmã, no seu escritório no 22º andar de um arranha-céus na Avenida Madison. Kahn Brother é o nome da firma de investimento que ele e dois dos seus três filhos fundaram em 1978. O filho mais velho – que atualmente tem 72 anos – aposentou-se cinco anos atrás.
Irving Kahn, um homem pequeno e rechonchudo, com o cabelo repartido precisamente para a direita, e que usa óculos de leitura e um aparelho de audição, está sentado em frente a uma tela plana, e na sua mesa de trabalho há uma pilhas de papéis e uma grande lupa. Ele não pretende se aposentar: “Eu estou interessado em uma vasta gama de indústrias e tecnologias”, explica Kahn. “Sou apaixonado pela leitura. É por isso que o trabalho de investidor é perfeito para mim”. Desde a morte da sua mulher, 14 anos atrás, ele na verdade passou a trabalhar ainda mais. “Eu simplesmente não consegui encontrar ninguém tão interessante quanto a mulher com a qual eu compartilhei uma cama durante 65 anos”.
Após interromper os estudos e trabalhar durante anos como assistente de ensino do lendário economista Benjamin Graham, da Universidade Columbia, Kahn estreou em Wall Street em 1928. Pouco depois disso, quando a Grande Depressão tomava conta do país, ele foi relativamente afortunado: “O meu salário foi reduzido a US$ 60 por semana. Eu me lembro do meu patrão me perguntando: Por que você está com um ar tão feliz?”. Ao que eu respondi: “Eu achei que você fosse me despedir”.

“Não pare de se mexer. Mantenha a mente aberta”

E qual é a receita pessoal dele para chegar aos 100 anos de idade? Irving ergue os dedos polegar, indicador e médio e começa a pregar: “Primeiro, é preciso uma dieta nutritiva, com bastante verduras, legumes e saladas. Segundo, muito ar fresco. Terceiro, não beba e não fume. Eu bebo no máximo uma taça de vinho a cada três meses”.
Os seus dedos anular e mínimo também se erguem quando o velho especialista passa a revelar os seus segredos: “Quarto, é preciso se mexer, manter a mente aberta, conhecer pessoas do mundo todo. E,quinto, ter muitos interesses e aprender coisas que você ainda não conseguiu – isso o manterá jovem!”.
E quanto à sua irmã mais velha? Irving sacode a cabeça e murmura para si: “Certo”, diz ele, um pouco irritado. “Isso é uma velha piada na nossa família. Happy adora que tirem fotos dela com um cigarro em uma mão e um drinque na outra”.
Porém, o quarto e o quinto mandamento de Irving foram comprovados cientificamente: “Nós descobrimos alguns traços de personalidade interessantes”, diz Tom Perls, 50, da Universidade de Boston, que dirige o New England Centenarian Study, o maior projeto de pesquisa do gênero do mundo, com cerca de 2.600 participantes. “Os indivíduos que estudamos são geralmente extrovertidos e gregários e possuem uma rede social estável”.
Além do mais, ele diz que essas pessoas não são neuróticas. Em outras palavras, elas não se queixam das dificuldades da vida. São verdadeiros mestres da arte de não se fixar em problemas. Stefan Schreiber, o pesquisador de Kiel, concorda: “Esse estado mental alerta, a mente aberta, isso é notável – especialmente ao se considerar que esses indivíduos não tiveram vidas fáceis. Eles passaram por guerras, fome e pobreza”.
Seria possível aumentar a longevidade com animação e otimismo? Ou será que os centenários são inerentemente abençoados com uma personalidade alegre, que os tornaria menos susceptíveis ao estresse e às doenças? “Nós não sabemos até que ponto isso é geneticamente determinado”, diz Perls. “Mas descobrimos como é útil não viver fechado em uma concha”.
“Eu honestamente não tenho ideia do motivo pelo qual cheguei a esta idade”, confessa Peter, de 100 anos de idade, o “bebê” da família Kahn. Ele viveu de forma “absolutamente normal”, nunca deu muita importância à sua saúde e também nunca pensou muito a respeito da idade.
Assim como a sua irmã Happy, Peter também americanizou o sobrenome. Como Peter Keane, ele seguiu uma carreira na área de cinema – como fotógrafo e cinematógrafo em Hollywood. Ele estava lá quando “E o Vento Levou” foi filmado no final da década de trinta. E, quando a jovem Judy Garland cantou a lendária música “Over the Rainbow”, no filme “O Mágico de Oz”, Peter conta que a equipe inteira se emocionou e começou a chorar.

Os genes preveem a longevidade

Sob o ponto de vista físico, o irmão mais novo é o mais frágil dos três. Ele ficou cego há três anos, e teve que usar um aparelho ortopédico no pescoço desde que sofreu uma queda feia. Ele raramente sai de sua casa em Westport, no Estado de Connecticut. A sua atividade favorita é sentar-se em frente à lareira na sala de estar e escutar estórias de mistério, bem como textos de ciência e livros de ficção histórica.
A mulher de Peter, Beth, 66, com quem ele casou-se 26 anos atrás, toma conta dele e o guia quando ele se movimenta cegamente pela casa com o seu andador. Ele poderia sentar-se em uma cadeira de rodas e permitir que o empurrassem, o que seria mais fácil e rápido – mas Peter prefere caminhar.
Eles se conheceram em uma festa organizada por alguns amigos, recorda-se Beth. Ela conta que não percebeu a idade dele, e sorri. “Eu pensei apenas: que homem charmoso!”. Agora é Peter que está sorrindo. Ele diz que não entende muita coisa sobre pesquisa genética, “mas os pesquisadores afirmam que eu tenho genes incomuns”.
Algumas semanas atrás, o grupo de pesquisa de Boston que trabalha sob a direção de Perls provocou uma agitação em todo o mundo: no jornal acadêmico “Science”, os pesquisadores anunciaram que tinham descoberto 150 variantes genéticas no genoma dos centenários. Eles afirmaram que poderiam usar esses genes para prever a longevidade de determinado indivíduo com uma precisão de 77%. No artigo, eles disseram que as variantes foram agrupadas em 19 assinaturas genéticas típicas”.

Um marco na pesquisa da longevidade

Os centenários correm praticamente o mesmo risco que as pessoas comuns de virem a padecer de doenças vinculadas à idade, como o diabetes e a hipertensão arterial, explica Perls. Mas eles contam com mecanismos de proteção geneticamente determinados que adiam o surgimento dessas desordens e promovem uma vida mais longa.
Os seus colegas acadêmicos e os jornalistas afirmaram que esse estudo se constitui em um marco na pesquisa da longevidade – mas o trabalho foi também alvo de críticas. Houve um problema técnico durante a avaliação que resultou na inutilização de 10% dos dados. Isso, no entanto, não parece colocar sob suspeita os resultados do estudo. “O nosso grupo de indivíduos estudados é, felizmente, tão grande que nós podemos eliminar os dados questionáveis”, afirma Perls. “E, apesar dos problemas, os resultados continuam sendo extremamente robustos”.
Atualmente outros grupos de pesquisa estão se mobilizando para replicar os resultados obtidos pela equipe de Perls – incluindo a equipe alemã de Kiel. “A ideia de Perls é inteligente e interessante”, afirma Schreiber. “Se ela puder ser comprovada, isso será de fato um avanço revolucionário”.

Somente dando uma caminhada

Barzilai, o pesquisador da longevidade de Nova York, está até pensando em dar um passo além: “Acima de tudo nós precisamos entender como essas 150 variantes protegem os seus donos das doenças”, diz ele. “Dessa maneira, nós poderemos desenvolver abordagens terapêuticas”. Barzilai diz que espera que isso permita aos médicos controlar várias enfermidades vinculadas à idade.
Agora Happy já se recuperou do resfriado. Ela passou cinco dias no seu apartamento, mas agora está ficando um pouco desesperada com o tédio. Ela sai para se encontrar com o irmão Irving para um almoço em um restaurante no Central Park. Os dois chegam usando andadores. “Eu me sinto como se tivesse sido aprisionada durante duas semanas”, diz Happy, enquanto saboreia os seus bolinhos de caranguejo com batatas e, depois disso, uma fatia de torta de chocolate.
Enquanto isso, o irmão dela come uma salada mista. Ele balança a cabeça, simpaticamente. “Os meus finais de semana também são muito animados”, explica Irving. “Eu jogo tênis, nado e corro – mas só nas minhas memórias!”.
Após o almoço, ele quer retornar para casa e para os seus livros. A sua irmã olha pela janela. O sol está brilhando, as multidões se movimentam pelas calçadas – diante deles há um magnífico dia de verão na cidade de Nova York.
“Vamos dar uma caminhada no parque, Irving!”, diz Happy.
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Tradução: UOL

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