quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Jaron Lanier - Entrevista

O marginal do Vale do Silício

Em seu novo livro, o pai do termo “realidade virtual”
critica o senso comum de que o conhecimento coletivo
e de graça na internet é bom para a humanidadepor
Crédito: Jonathan Sprague/Redux

Os cabelos rastafári do cientista da computação americano Jaron Lanier, de 50 anos, o diferenciam claramente dos novos executivos que fazem montanhas de dinheiro no Vale do Silício. Mas não só eles. Pai do termo "realidade virtual" e pioneiro da internet, Lanier, uma das 100 pessoas mais influentes do mundo de acordo com a revista Time, largou seu entusiasmo pela web para “virar a casaca”. Em seu livro-manifesto GadgetVocê não é um Aplicativo (Editora Saraiva, R$ 40), ele afirma que sites como Wikipédia, Facebook e até o Google acabaram estragando o espírito inicial da rede mundial de computadores para se tornarem um risco à individualidade. Se o cérebro coletivo é considerado um perigo totalitário, o antídoto, diz ele, pode vir de um sistema global de micropagamentos para qualquer indivíduo vender sua produção intelectual na web.

* Um dos primeiros a enxergar a promessa da internet, agora você vê perigos em seu uso. Quando as coisas mudaram?
Jaron Lanier: Um dos principais momentos foi o surgimento do Google. Eu sou amigo de Sergey Brin [co-fundador da companhia], e acredito que ele não tinha a intenção de fazer isso, mas o Google criou uma ideia de internet em que o único negócio financeiro é o de publicidade, com todo mundo fazendo qualquer coisa de graça, enquanto as centrais de publicidade online ficam com todo o dinheiro. O problema é que os detentores do dinheiro também concentram o poder. Tudo virou uma maneira de tirar vantagem do que as pessoas faziam de graça. As políticas da internet eram bem de esquerda, todo mundo falava que tudo deveria ser voluntário, em prol da coletividade. Mas isso, ironicamente, causou todo o poder das companhias poderosas, como o Google e o Facebook. Agora, os publicitários categorizam seus clientes, oferecendo propagandas de acordo com o estilo de cada um numa rede social, por exemplo.

* Quando reparou nisso?
Jaron: Há dez anos as pessoas começaram a me perguntar se poderia fazer parte de um grupo na internet, de pensamento coletivo. Foi aí que eu achei que estava acontecendo algo bem errado. Esse [o pensamento coletivo] foi um dos erros terríveis da internet.

* Você diz que a web 2.0 prejudicou a classe média. Por quê?
Jaron: Os grupos online que buscam voluntários, como o Pirate Bay ou o Linux, podem parecer positivos, mas acabam redirecionando todo o poder para o Google e companhias de propaganda. Quem realmente faz alguma coisa não ganha dinheiro, enquanto as pessoas que fazem propagandas ganham. A classe média acaba sendo lesada porque é composta por muitos intelectuais, escritores e ilustradores, que quase não ganham dinheiro na web. Esse é o pior tipo de “privilégio”, porque eles lucram com o que você faz com o seu coração e cérebro. À medida que a tecnologia fica melhor, há menos pessoas necessárias para fazer um trabalho físico. Atualmente, dentro de certa ideologia da internet, com a pirataria para todas as pessoas, a única maneira de ganhar dinheiro é fazendo algo físico.

* O escritor Clay Shirky afirma que a internet está nos deixando mais inteligentes, coletivamente. Você concorda?
Jaron: Acho que é uma ideia terrível. Ele certamente se confundiu sobre o que é cognição. Segundo Clay, se as pessoas fizerem pequenas coisas viciantes (como navegar no Twitter), a criatividade evoluirá para um nível maior, que é o nível que o Google pode ganhar dinheiro, o nível coletivo. Mas isso é só uma maneira de explorar as pessoas mentindo sobre como o cérebro funciona. É uma ideia muito ruim porque ela desvaloriza a individualidade das pessoas.

* Como funcionaria sua ideia de micropagamento global para a compra de conteúdo?
Jaron: A proposta original da web incluía a ideia de um mercado global. Por exemplo, as pessoas populares no Twitter ganhariam dinheiro com isso, em vez de esse dinheiro ir inteiramente para alguma companhia de propagandas. Assim, qualquer um poderia vender e cobrar pelo que bem entendesse. Defendo a possibilidade de que todo mundo poderia ter o mesmo status que a Apple ou Amazon, por exemplo, podendo vender e cobrar pelo que quisessem, que as pessoas tivessem escolha sobre como ganhariam dinheiro na internet em vez de deixar tudo de graça.
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Reportagem por Felipe Pontes
Fonte: http://revistagalileu.globo.com - setembro/2010 nº 2301

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