sábado, 23 de outubro de 2010

Mudaram os paradigmas

NA INTERNET

Imagem da Internet

Argentino, mas atualmente residente em Washington, Silvio Waisbord é professor e diretor de programas de graduação da School of Media and Public Affairs da George Washington University e editor-chefe do International Journal of Press/Politics. É também um dos grandes intelectuais contemporâneos a pensar as relações entre a mídia e a democracia na América Latina. Ele é o principal convidado do seminário Democracia na Era Digital, que será realizado na segunda-feira, na PUCRS. Promovido por Zero Hora, Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Famecos e Jornal NH, o evento, gratuito, vai discutir os novos desafios apresentados pela internet à imprensa contemporânea, incluindo as implicações legais do trabalho jornalístico.
Por telefone, de sua casa, nos Estados Unidos, Waisbord concedeu a seguinte entrevista a ZH. Ele se preparava para uma maratona em terras brasileiras, já que o seminário também se repetirá ao longo da semana em Florianópolis, Vitória, Fortaleza e Brasília, em todas as cidades nos mesmos moldes: uma palestra de Waisbord e um debate entre nomes da mídia e da academia locais.

Zero Hora – O senhor pode antecipar o teor de sua palestra, por favor?
Silvio Waisbord – Na conferência, vou abordar três transições do jornalismo nos Estados Unidos que têm alguma relevância para outros países. A primeira transição é econômica: advém da crise dos velhos modelos de negócios de jornalismo. A segunda é a possível mudança das práticas jornalísticas como consequência das mudanças tecnológicas da própria indústria. E a terceira é o modo como estão se transformando as políticas de comunicação, as causas pelas quais estão mudando tanto a forma de confecção como de consumo de notícias.

ZH – Em 2000, o senhor dizia, no livro Watchdog Journalism in South America, que os países sul-americanos recém redemocratizados – entre eles o Brasil – ainda não tinham uma tradição de investimento em jornalismo investigativo. Como analisa, uma década depois, o impacto das mídias eletrônicas nesse contexto?
Waisbord – Creio que o contexto tecnológico e a vida prática do jornalismo estão completamente mudados. Mas não mudou muito o que eu havia apontado sobre a investigação jornalística na América Latina. A tecnologia não resolveu os problemas, nem mesmo com a aparição dos blogs ou de uma nova forma de fazer jornalismo fora dos grandes meios tradicionais. Pela razão de que uma investigação jornalística requer tempo e dinheiro, o que, em geral, os jornalistas amadores ou autônomos não têm. Ou não têm as ferramentas técnicas para o trabalho. E o jornalismo na América Latina em geral já trabalha com condições muito limitadas de tempo e de recursos para fazer uma investigação exaustiva, como se costuma fazer no jornalismo norte-americano. Há exceções, claro, mas não creio que essas condições tenham mudado notavelmente nos últimos 10 anos. O que é novo e interessante é a parceria entre jornalismo e ONGs para seguir histórias que requerem muito mais tempo, investigação, cuidado e que, em alguns casos, fazem um uso interessante da tecnologia. É uma nova forma de trabalho, ainda que não seja o modelo dominante ou característico do continente.

ZH – Por que grande parte do conteúdo dos portais de internet são notas sobre celebridades, fait-divers, um conteúdo superficial que se repete indefinidamente?
Waisbord – Os fait-divers são mais econômicos para produzir e também garantem mais tráfego a um website. Esse sistema obedece à lógica da busca pelo aumento do número de pessoas que entram em um site – embora esse tráfego maior não gere publicidade. Um dos grandes desafios do jornalismo na internet, aliás, é que o grande tráfego não gera a grande publicidade. O caso mais claro é o do New York Times, em que o tamanho do portal e a quantidade de pessoas que o visitam não correspondem aos anúncios publicitários que o jornal tem em sua versão online. É algo muito diferente do jornalismo tradicional, em que os anunciantes pagam proporcionalmente ao número de leitores.

ZH – Estamos, então, assistindo a um novo modelo de negócios no jornalismo. Que modelo será esse?
Waisbord – O que já sabemos é que não haverá um único modelo. Os modelos comerciais serão mais plurais, um jornalismo financiado por novas fontes, não apenas pelos anunciantes ou ao menos não pelos anunciantes mais tradicionais. Os anunciantes em veículos de comunicação sempre foram cadeias locais de comércio e indústria. Isso está mudando, já há diferentes modelos, nacionais e regionais, que vão coexistir e serão muito diferentes do que existia há cinco ou 10 anos. Essa mudança nos levará a veículos que vão fazer jornalismo que mescle a qualidade ao noticiário de fait-divers para atrair um público maior.

ZH – O que o jornalismo deve fazer para, no contexto plural da internet, se apresentar como um filtro de credibilidade?
Waisbord – As grandes marcas continuam a ser uma referência de peso para o consumidor que procura recortar o que lhe interessa na grande massa de informações da internet. Os sítios de notícia mais visitados são, na verdade, os sítios das mídias tradicionais – com exceção de Yahoo e Google, que não são empresas de notícias. Cada país tem um ou dois portais de grandes jornais diários, que o público elege como porta para o massa de informações. Ao mesmo tempo, há uma segmentação maior, por diversas razões. Há espaço para a abertura de sites especializados em que as pessoas interessadas por determinado assunto podem buscar notícias sobre aquele tema. Culinária, por exemplo. E há uma segmentação política, também. Há sítios partidários, voltados para leitores mais conservadores ou mais à esquerda, que operam com o mesmo sentido: são a porta de entrada informativa na internet. Em alguns casos, como os dos EUA, isso vem ganhando força. Há sites comprometidos com a esquerda e com a direita que se converteram em alternativas a portais tradicional.

ZH – No Brasil, está em discussão a instituição de um marco civil para regular a internet. Como conseguir conciliar a necessidade de regulamentação com a de evitar a censura?
Waisbord – O que acontece é que o aparato legal que temos já remonta há 200 anos e hoje o contexto exige que se repense tudo isso. As regras que se aplicam para a regulamentação da mídia tradicional até podem ser aplicadas para o jornalismo online, principalmente no que diz respeito a difamação, calúnia, ofensas pessoas. Mas é muito mais difícil de aplicá-las em um ambiente virtual, também muito mais árduo de monitorar. O direito à propriedade da informação também é muito mais difícil de ser aplicado. O tema de censura na internet é amplo, tem muitos ângulos, muitas questões, algumas que nunca são levantadas. Uma delas diz respeito aos buscadores de informações, como o Google, e como eles selecionam a informação. Não é uma censura, mas, quando se faz uma pesquisa, o Google hierarquiza e nos diz o que é informação, o que é importante e o que não é. Como faz isso?

ZH – O Google teve de se render à censura oficial do Partido Comunista para operar na China. Casos como esse mostram que há limites para o caráter libertário da internet?
Waisbord – A ideia da rede como uma utopia libertária continua sendo muito atraente para os jornalistas, quando na verdade há muito mais exemplos de regimes autoritários que se adaptaram relativamente bem ao potencial libertário das novas tecnologias. Para cada caso de liberdade de expressão facilitada pela rede há muitos outros, como Irã, China, Mianmar, Cuba, nos quais a militância na rede não gerou uma mudança profunda no regime. O que houve foi que esses Estados foram muito inteligentes em se adaptar e conter as novas tecnologias.
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*POR CARLOS ANDRÉ MOREIRA
Fonte: ZH online,23/10/2010

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