sábado, 27 de novembro de 2010

Bauman: como a solidariedade pode nos salvar


Apesar de ter se aposentado oficialmente em 1990 como professor de sociologia da Leeds University, Zygmunt Bauman(foto), 84 anos, permaneceu notavelmente produtivo – publicando um livro por ano de sua casa em um verde subúrbio de Yorkshire. Seu último livro, intitulado "44 Letters from the Liquid Modern World", é uma coleção de colunas escritas para o jornal italiano La Repubblica, apresentando sucintas análises sobre o Twitter, a histeria da gripe suína e a elite cultural.

A análise é de Randeep Ramesh, editor de questões sociais do jornal The Guardian, em artigo para o jornal La Repubblica, 25-11-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Tal é o seu poder de estrela que, quando a Leeds abriu o Bauman Institute for Sociology, em setembro, mais de 200 delegados estrangeiros voaram para ouvir o pensador octogenário. Apesar dos aplausos, Bauman parece ser um profeta em todos os lugares, menos na Grã-Bretanha. Isso se deve, talvez, ao fato de ele não ter se mostrado disposto, até agora, a fornecer aos políticos grandes teorias abrangentes para explicar o que eles fizeram e por que – ao contrário do Lorde Anthony Giddens, o sociólogo cuja teoria política da "terceira via" foi adotada pelo New Labour de Tony Blair.
Tudo isso mudou com a chegada de Ed Miliband como líder do Partido Trabalhista e sua análise baumanesca de que o partido havia perdido a sua humanidade ao abraçar o mercado. O sociólogo diz que foi incentivado pelo primeiro discurso de Miliband como líder na conferência do Partido Trabalhista, dizendo que ele ofereceu a oportunidade para "ressuscitar" a esquerda em uma base moral.
"Particularmente promissora para mim foi a visão de comunidade de Ed. Sua sensibilidade para o sofrimento dos injustiçados, sua consciência de que a qualidade da sociedade e a coesão da comunidade precisam ser medidas não por meio de totais e médias, mas pelo bem-estar das camadas mais fracos", diz Bauman.
A relação entre Bauman e Milibands tem história. O pai de Ed, Ralf, e Bauman se tornaram amigos íntimos na década de 1950, na London School of Economics - LSE. Ambos eram sociólogos de esquerda de descendência polaco-judaica. Ambos fugiram de tiranias: Ralph Miliband escapou da Bélgica quando os soldados de Hitler avançavam em 1940, e Bauman foi expulso da Polônia, quando os comunistas do país realizaram uma limpeza antissemita em 1968.
Mas foi a decisão de Ralph Miliband, em 1972, de participar do departamento de ciências políticas da Leeds University, onde Bauman lecionava sociologia, que se mostrou fundamental para o seu relacionamento. A casa de Bauman em Leeds tornou-se uma parada obrigatória para os filhos de Miliband. Ed e David cresceram vendo os dois acadêmicos discutirem o futuro da esquerda.
Bauman diz que os jovens irmãos Miliband "já eram parceiros para conversas sérias, charmosos e excepcionalmente inteligentes para a sua idade". (...)
Neal Lawson, presidente do progressista grupo de pressão Compass, diz que o marcante apelo de Ed Miliband a se "levantar por aqueles que acreditam que na vida há mais do que os lucros" e sua defesa categórica da "comunidade, pertencimento e solidariedade" eram Bauman puro. (...)
Ao contrário de alguns sociólogos, a obra de Bauman é acessível, intelectual e muitas vezes polêmica. Sua própria vida – de crente comunista a minoria perseguida até analista forense da vida cotidiana – o torna difícil de categorizar. Subjacente à sua teoria, está a ideia de que os sistemas fazem os indivíduos, e não o contrário. Ele diz que, independentemente de estamos lidando com o comunismo ou o consumismo, os Estados querem controlar seu público e reproduzir suas elites. (...)
A obra de Bauman hoje se concentra nessa transição a uma nação de consumidores, inconscientemente disciplinados para trabalhar incessantemente. Aqueles que não se conformam, diz Bauman, ficam rotulados como "lixo humano" e excluídos como membros imperfeitos da sociedade.
Essa transformação da "ética do trabalho à ética do consumismo" irrita Bauman. Ele adverte que a sociedade passou "dos ideais de uma comunidade de cidadãos responsáveis aos de um agregado de consumidores satisfeitos e, portanto, interessados em si mesmos". Não admira que seus críticos descrevam Bauman como um "pessimista".
Mas diante de um chá e de um suprimento infinito de biscoitos, o professor de cabelos brancos é o charme em pessoa – mesmo em seu maior pessimismo. Na sua opinião, um vocabulário político moderno inteiro surgiu como uma "cortina de fumaça" para intenções ocultas. Assim, a mobilidade social, por exemplo, é "uma mentira, porque os indivíduos não estão em posição de escolher a sua posição na sociedade". A equidade, diz ele, é apenas um disfarce para "o fantasma feio da assistência apenas dentro de um albergue". (...)
Na conversa, sua escolha de heróis políticos é, às vezes inquietante. Bauman diz que a sua percepção fundamental para seu trabalho seminal sobre o Holocausto veio de Carl Schmitt, um teórico político intimamente associado com Hitler. Bauman diz que a discussão atual sobre a "exclusão social" é realmente apenas uma extensão do ditame de Schmitt de que o ato de governo mais importante era "identificar um inimigo".
Compreender isso levou Bauman, em 1989, a argumentar que o assassinato de milhões de judeus não foi o resultado final do nazismo nem das ações de um grupo de pessoas más, mas de uma burocracia moderna, em que a subserviência era valorizada acima de tudo e em que complexos mecanismos escondiam os resultados das ações das pessoas.
O Holocausto, diz ele, foi simplesmente um exemplo mortífero da tentativa de um Estado moderno de buscar a ordem aproveitando-se do medo de "estranhos e forasteiros". "Uma vez que os governos excluem as pessoas, você pode deixar de protegê-las. As sociedades começam a manipular os medos dos grupos. Quando o Estado do bem-estar está em crise, devemos nos preocupar com essa característica da sociedade".
Hoje, Bauman é otimista sobre sua própria capacidade de encontrar respostas para esses problemas. Ele adverte que a sociologia, com seus estudantes em queda e sua perspectiva insular, se debate entre estatísticos e filósofos. "A tarefa da sociologia é a de vir em auxílio do indivíduo. Devemos estar a serviço da liberdade. Isso é algo que perdemos de vista", diz.
Embora tenha uma reputação de oferecer críticas sem soluções, Bauman tem sido uma voz importante nos debates sobre a pobreza. Sua proposta de uma "renda cidadã", basicamente o dinheiro suficiente para viver uma vida livre, foi uma das poucas vozes contrárias em debates sobre o reemprego. As transferências de dinheiro aos pobres, escreveu Bauman em 1999, remove a "impressionante mosca da insegurança econômica do doce unguento da liberdade". Uma década depois, esses sentimentos impulsionaram o salário mínimo no contexto político e é uma causa apoiada por Ed Miliband.
Bauman sempre foi interessado em política: seu primeiro confronto contra a autoridade pública veio quando ele desafiou o Partido Comunista polonês, na década de 1950, por causa de sua burocracia fossilizante e seu cruel esmagamento dos críticos. "Minha análise era a de que o único desejo do comunismo era a necessidade de permanecer no poder".
Uma década de heresias como essa lhe valeu sua expulsão do seu país natal, em prejuízo à Polônia e em benefício de Yorkshire. Hoje, ele não demonstra nenhuma amargura, chegando ao ponto de ignorar um artigo de uma revista de direita polonesa, em 2007, que alegou que Bauman foi pago, durante algum tempo, pelo serviço secreto polonês e que ele participou da limpeza política de opositores ao regime.
"A acusação baseia-se em dedução. Como eu era um membro dessa parte do Exército polonês quando eu era adolescente, que era uma unidade interna do Exército, eu devo ter feito alguma coisa. Não há nenhuma prova. Simplesmente não é verdade", diz.
Apesar das décadas de riqueza intelectual acumulada, Bauman é um vidente relutante, dizendo não ter vontade "caminhar pelos corredores do poder", dispensando gemas. Ele deseja sucesso ao Partido Trabalhista e permanece profundamente pessimista com relação à tentativa da coalizão de governo de dar um rosto humano aos cortes. "Já estivemos aqui antes com Reagan e Thatcher", adverte.
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Fonte: IHU online, 27/11/2010

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