domingo, 28 de novembro de 2010

Pássaros e jardins

Rubem Alves*
Imagem da Internet

Gosto do apartamento em que vivo. Décimo primeiro andar. A vista é muito bonita, vê ao longe... Quando o vento é forte ele assobia de forma sinistra e musical. Quase lhe pus o nome de “Morada dos Ventos Uivantes”.
Já morei num outro: oitavo andar. Fiz um micro jardim na varanda.
Assentado na sala, enquanto ouvia música, via o jardim, a cidade, a chuva e sentia o prazer do vento na minha pele. Mas, tinha uma tristeza. Os passarinhos não me visitavam. Tentei. Pus comida para eles. Inutilmente. Guimarães Rosa diz que há dois tipos de altura: altura de urubu ir, e altura de urubu não ir. Quem sabe só urubu tinha coragem de subir até a altura do oitavo andar...
O Carlos Rodrigues Brandão me deu um livro, faz tempo, que ainda não li. O título é: A linguagem dos pássaros. Nunca levei o dito a sério porque era minha firme convicção que passarinho não tem linguagem. Pois mudei de idéia. Eles não só falam como também lêem os jornais.

"Peguei as peninhas do beija-flor, azuis,
amarrei-as com um fio e
as pendurei no bambu do jardim,
como mensagem de paz,"

Tive prova disto, prova que não se pode contestar. Eu me queixei, numa de minhas crônicas, da ausência dos pássaros no meu apartamento, a despeito do jardim na varanda. Aventei a hipótese de que é porque eu morava no oitavo andar, talvez fosse altura demais. Meu apartamento estava em altura de só urubu ir. Lamentei-me disso numa crônica. Na segunda feira, ao chegar em casa do trabalho no final do dia, lá estava, na sala, atendendo à minha queixa, um beija-flor empoleirado no lustre.
O bichinho se assustou. Como se sabe, os homens são os seres que perderam a confiança dos pássaros. Ele se pôs a voar de um lado para outro, desorientado, sem saber onde estava a saída. Tentei pegá-lo. Inutilmente. Aí ele se refugiou no banheiro. Fechei a porta, subi numa cadeira e finalmente o segurei com palavras tranquilizantes. Ele não acreditou e até deixou várias penas na minha mão. Desci da cadeira, fui até a varanda e o soltei. Ele partiu como uma flecha.
Ah! Como me senti feliz! Pois, no dia seguinte, a coisa se repetiu: não com o beija-flor, mas com uma curruira. Ela não entrou no apartamento mas ficou saltitando no jardim. Peguei as peninhas do beija-flor, azuis, amarrei-as com um fio e as pendurei no bambu do jardim, como mensagem de paz. Quero que os pássaros confiem em mim. Vocês não concordam comigo que o fato de um beija-flor e uma curruira terem me visitado no me u apartamento é prova cabal de que lêem jornal? Por que é que foram aparecer justo no dia seguinte à minha queixa? E fiquei feliz por saber que eles lêem o que eu escrevo...
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*Rubem Alves é escritor, teólogo e educador
Fonte: Correio do Povo online, 28/11/2010

Um comentário:

  1. Amo esse texto... e se nao bastasse viver com Rubem Alves nas mãos, o tenho tb agora frequentemente na tela do meu computador. Obrigada por esse espaço.
    Abraços

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