quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Bebês globais

Nasce um novo e fértil setor, o de bebês globais

Tamara Audi e Arlene Chang*

Em um quarto de hospital na ilha grega de Creta, uma mulher búlgara planeja dar a luz a um bebê cuja mãe biológica é uma doadora europeia de óvulos anônima, com um pai italiano, sendo que o nascimento está sendo orquestrado de Los Angeles.
Ela não vai ficar com a criança. Os futuros pais - uma mulher italina infértil e o marido dela (que deu o esperma) - vão assumir a custódia do bebê no dia do nascimento, em meados do ano.
A mãe que está gerando é Katia Antonova, uma mãe de aluguel. Ela emigrou da Bulgária para a Grécia e é garçonete, tem marido e três filhos dela mesma. Ela vai usar o dinheiro da barriga de aluguel para mandar pelo menos uma das suas crianças para a universidade.
O homem que está reunindo este grupo díspar é Rudy Rupak, diretor-presidente da PlanetHospital.com LLC, uma empresa da Califórnia que rastreia o globo para encontrar os componentes para o seu negócio. O negócio, neste caso, é a geração de bebês.
Rupak é um pioneiro em um campo polêmico na encruzilhada entre a tecnologia de reprodução e a adoção internacional. Futuros pais estão contornando o rigor das adoções tradicionais, produzindo seus próprios bebês - muitas vezes usando uma doadora de óvulos em um país, um doador de esperma de outro, e uma mãe de aluguel que vai dar a luz em um terceiro país, criando o que alguns participantes deste setor chamam de "um bebê global".
Eles recorrem ao PlanetHospital e a algumas outras empresas. "Nós cuidamos de todos os aspectos do processo, como um serviço de concierge", diz Rupak, um canadense de 41 anos.
Os clientes tendem a ser pessoas que querem mas não conseguem ter filhos: famílias com problemas de infertilidade: casais de homens gays. Eles também podem ter dificuldade para adotar por causa da idade ou outros obstáculos.
E para eles o preço também é importante. Os serviços do PlanetHospital vão de cerca de US$ 32 mil a cerca de US$ 68 mil, em comparação com até US$ 200 mil para uma barriga de aluguel nos Estados Unidos.
O processo de gerar um bebê global pode ter outras vantagens. As mães de aluguel em países mais pobres têm pouco ou nenhum direito ao bebê. Na Grécia, uma mãe de aluguel pode ser processada por tentar manter o bebê. Por outro lado, nos EUA, algumas mães de aluguel tentaram conseguir o direito de ficar com as crianças que elas geraram.
O processo pode trazer dilemas profundos. Em alguns casos, as clínicas acabam criandos mais fetos do que os casais necessitam, forçando uma decisão sobre abortar um ou mais fetos. Os bebês que chegam ao fim da gestação eventualmente têm uma dificuldade temporária para conseguir um passaporte.

"Os serviços do PlanetHospital
 vão de cerca de US$ 32 mil
a cerca de US$ 68 mil,
em comparação com até US$ 200 mil
para uma barriga de aluguel
nos Estados Unidos."



Rupak está aprendendo a navegar a desconhecida natureza do seu campo de trabalho - os bebês sem Estado, as complexidades éticas. A expansão dele para a Grécia, nação membro da União Europeia, foi feita especificamente para reduzir a probabilidade de problemas de passaporte para futuros pais europeus. Rupak diz que pretende expandir os negócios para o México e Ucrânia, para ampliar o sucesso obtido com a entrada na Grécia.
Alguns dos seus clientes tiveram que enfrentar decisões de aborto, diz Rupak. "Às vezes, eles conseguem o dinheiro" para pagar por mais crianças do que esperavam, diz ele. Afinal de contas, já foram tão longe. Mas se eles tomam uma outra decisão, diz Rupak, "Nós não julgamos".
O pacote mais barato do PlanetHospital, "o pacote Índia" compra um doador de óvulos, quatro transferências de embriões para quatro mães de aluguel diferentes, alojamento e cobertura de custos para a mãe de aluguel, um carro e motorista para os futuros pais, quando eles forem à Índia para receber o bebê.
Os pacotes mais caros incluem outros serviços, como dividir os óvulos de uma mesma doadora para fertilizá-los com espermas diferentes, para que filhos de casais gays possam ter a mesma mãe genética. No Panamá, gêmeos custam US$ 5 mil extra; por outros US$ 6,5 mil, pode-se escolher o sexo da criança.
Ninguém ainda calculou de forma precisa o número de nascimentos com mães de aluguel no exterior, mas os críticos e os que trabalham neste setor concordam que os números estão crescendo. Desde que começou a oferecer serviços de fertilidade no exterior, em 2007, a PlanetHospital orquestrou 459 nascimentos, diz Rupak. No ano passado, 280 clientes contrataram a empresa para serviços de reprodução, e naquele ano nasceram 210 bebês - 168 deles, gêmeos. Este ano, 200 clientes assinaram contratos, e atualmente 75 mães de aluguel estão grávidas.
Críticos dizem que o negócio tem várias armadilhas. "O potencial para abuso em diferentes níveis é grande", diz Arthur Caplan, diretor do Centro de Bioética da Universidade da Pennsylvania, na Filadélfia, falando sobre o setor de uma forma genérica. "Você está operando com todos esses limites [internacionais] para comprar os ingredientes e o equipamento." Caplan chama isso de "medicina do velho oeste".

"As doadoras de óvulos normalmente
estão nos EUA ou no Leste Europeu,
já que os pais brancos preferem ter filhos de pele clara.
Esses países permitem que a doação
seja feita anonimamente.
Os pais com orçamentos mais apertados
podem optar por doadores
na Índia ou na América Latina."
As leis são vagas e podem ser conflitantes de um país para outro. Em 2008, a bebê Manji nasceu de mãe de aluguel indiana apenas semanas depois do divórcio de seus futuros pais japoneses. (A família não era cliente da PlanetHospital.) De acordo com estudo de caso conduzido pela Duke University em ética legal, isso levou a um emanharado de leis indianas e japonesas que, no início, impediu que a menina tivesse uma certidão de nascimento. Depois, dificultou os esforços do seu pai para levá-la para a sua casa no Japão. Meses se passaram. Para resolver o problema, o Japão emitiu um visto humanitário especial.
"Esse segmento legal ainda é bastante instável", diz Evgenia Terehova, advogada do PlanetHospital. "Pode acontecer todo o tipo de circunstância imprevista."
Terhova diz que os clientes da PlanetHospital concordam em chegar a um acordo para as disputas usando arbitragem da lei da Califórnia. A empresa informa que nunca foi processada nem colocada em arbitragem.
As doadoras de óvulos normalmente estão nos EUA ou no Leste Europeu, já que os pais brancos preferem ter filhos de pele clara. Esses países permitem que a doação seja feita anonimamente. Os pais com orçamentos mais apertados podem optar por doadores na Índia ou na América Latina. O esperma normalmente vem do futuro pai, embora também exista uma rede de bancos de esperma nos EUA e na Europa.
Diferentemente da adoção tradicional, a checagem dos futuros pais por agências como PlanetHospital, por autoridades reguladoras e por clínicas é relativamente pequena. Também existem menos restrições, como limites estritos de idade, ou quem pode participar.
Rupak diz que cada clínica usa seu próprio padrão para tomar essas decisões. Ele, às vezes, aconselha os clientes a contratar um advogado para ter certeza de que eles estão de acordo com as leis do seu país de origem.
Rupak, um ex-roteirista e produtor de filmes, tinha um negócio de software antes de abrir o PlanetHospital, em 2002. A primeira empresa dele, e ainda a mais rentável, é de "turismo médico", que organiza viagens para países mais baratos, onde os clientes podem fazer operações no joelho, ortodontia e outros. Rupak diz que entrou no négocio de reprodução quando clientes começaram a perguntar sobre isso.
Muitos fatores impulsionam a gravidez com barriga de aluguel no mundo todo. A China e outros destinos de adoção dificultaram as suas regras nos últimos anos. Alguns países desenvolvidosproíbem ou restrigem severamente a barriga de aluguel.
A PlanetHospital recentemente lançou um site promovendo a barriga de aluguel para casais gays. "Em alguns Estados [americanos], você não pode se casar, muito menos adotar; mas nenhuma lei na terra pode tirar uma criança que é biologicamente sua", diz o site.
"Nós estamos tão felizes", diz Marc Loeb, de 33 anos, diretor de vendas de uma empresa de roupas de Nova York, cuja filha, Eden, nasceu na Índia, há poucos dias.
Loeb e o marido, Wolf Ehrblatt (os dois se casaram legalmente em Massachussets, há dois anos) contrataram o PlanetHospital em 2009. Para um casal gay, a adoção doméstica ou internacional é difícil, diz Loeb. E os custos de uma barriga de aluguel nos EUA fizeram pensar que "isto era para a elite gay", diz ele.
O casal deu uma entrada de US$ 10 mil e decidiu tentar conceber uma criança usando o óvulo de doadora americana de nível universitário e o esperma deles.
PlanetHospital conduziu Loed em direção à Índia. Loeb e Ehrblatt viajaram para visitar a clínica de fertilidade Kiran, em Hyderabad, para depositar o esperma. Lá eles conheceram algumas mães de aluguel que vivem em apartamentos ao lado da clínica - mas não a mulher que geraria o bebê deles.
Loeb disse que não queria perguntar. "É uma experiência já bastante emotiva", diz ele.
Algumas semanas mais tarde, conta Loeb, Rupak ligou para dizer: "Você está grávido".
O casal fez pagamentos à medida que a gravidez avançou, com o montante final a ser quitado no nascimento. Dos US$ 35 mil, PlanetHospital fica com cerca de US$ 3,6 mil. Outros US$ 5 mil vão para a doadora do óvulo e US$ 3 mil, ou algo assim, para as despesas de viagem. A mãe de aluguel recebe US$ 8 mil. O resto, em torno de US$ 15 mil, é pago à clínica.
No caso de casais homosexuais, o nome da mãe de aluguel aparece na certidão de nascimento como mãe. No caso de casais heterosexuais, aparece o nome da mãe adotiva.
 A complexidade da barriga de aluguel pode fazer surgir decisões muito difíceis, como abortar ou não. Isso pode acontecer porque as clínicas muitas vezes implantam múltiplos embriões em várias mães de aluguel, para aumentar as chances: se uma tiver um aborto espontâneo, ainda existe gravidez viável. Entretanto, se vários implantes derem certo, os clientes podem acabar não apenas com uma ou duas crianças, mas com várias.
Mike Aki e seu marido, um casal de Massachussetts, se depararam com esta questão. O casal tinha planejado ter duas crianças. Mas as duas mães de aluguel na Índia engravidaram de gêmeos.
Na 12a semana de gravidez, Aki e o marido decidiram abortar dois dos fetos, um de cada mulher. Foi uma decisão muito dolorosa, diz Aki.
Hoje, Aki e o marido têm duas meninas de 21 meses. As meninas têm a mesma mãe genética. Cada homem é o pai genético de uma das meninas. Esta semana, Aki e o marido vão adotar oficialmente a filha genética do outro.
Inicialmente, em 2008, Aki era um cliente do PlanetHospital. Mas no início do processo, depois de disputas em relação a dinheiro e comunicação, Aki decidiu cortar o intermediário e ligar diretamente com a clínica.
A disputa ocorreu por problemas de comunicação e contabilidade da clínia, diz Rupak. Desde então, ele cortou os laços com a clínica. "Nós melhoramos em todas essas coisas desde então."
Na ilha de Creta, a gravidez de Antonova, a búlgara que carrega uma criança para o casal italiano, está ocorrendo conforme planejado. Ela visita a clínica do Dr. Mattheos Fraidakis, sócio de Rupak em Creta, para consultas regulares. Ela compareceu ao tribunal na semana passada e , de acordo com a lei grega, prometeu entregar o bebê aos futuros pais italianos. Ela se recusa a dar detalhes sobre a compensação recebida.
"É bom que eu possa ajudar essas pessoas a terem uma família, e é bom para a minha família também", diz Antonova, que tem 40 anos. "Vou ter este filho e continuar com a minha vida."(Colaborou James Oberman.)
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*The Wall Street Journal
Fonte: Valor Econômico online, 14/12/2010
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