sábado, 18 de dezembro de 2010

Nós, os megalomaníacos

Juremir Machado da Silva*

Crédito: ARTE PEDRO LOBO
Encontrei Paulo Santana quando eu estava saindo do consultório do generoso e hipercompetente doutor Barata. Estendi a mão ao velho colunista. Ele riu: "E aí, guri", disse. Em seguida, apontando para si, reclamou: "É triste a velhice". Foi a minha vez de rir. Amarelo. Conheço Santana desde 1987. Ele continua o mesmo. Igualzinho. Fez uma careta e me cobrou: "Tu disseste na revista Press que eu, o Lauro e o Ruy estávamos velhos e ultrapassados". Sei, respondi, mas foi só uma provocação. Encontrei, insisti, o Lauro ontem, no Barranco, e ele nem me falou disso. Levou na boa. Santana não deixou por menos: "É, mas eu fiquei meio assim, pois deste argumentos para os patrões, que não gostam de velhos. Nunca se deve dar argumentos aos patrões". Concordei com ele por bonomia.

"...os megalomaníacos, temos três fases:
a da megalomania pura e simples,
estágio de autoconfiança total e vertiginosa,
a da hipocondria, quando nos distraímos
do nosso espírito e só pensamos (mal) do nosso corpo,
e a da hipocondria aguda
como último estágio da megalomania."
Ali estávamos. Perguntou minha idade. Disse-lhe. Acrescentei: "Mas cheio de dores". Contorceu-se: "E eu? Tenho 18 doenças, 12 médicos me cuidam, venho a este hospital todos os dias. Falei para o Nelson: ''Pode me demitir, mas não me tira o cartão Golden Cross''". Talvez os números sejam ligeiramente diferentes. Observei: "Santana, até em número de doenças tu és imbatível". Ele pareceu não ouvir. Discursou com a ênfase habitual: "Sou o colunista mais lido, o mais lido de todos os tempos no Rio Grande do Sul. O mais lido". Ri. Soltei esta: "Só tem um cara melhor do que tu, Santana". Ele se retesou na cadeira: "Quem? Melhor que eu? Quem é?". Levei uns bons 15 segundos para responder. Senti que ele sabia a minha resposta: "Eu". Percebi que ficou mais descontraído: "Melhor que eu? Não. Isso não. Dá um bom segundo lugar".
Rimos. Saí sem marcar a consulta seguinte. Na rua, compreendi que nós, os megalomaníacos, temos três fases: a da megalomania pura e simples, estágio de autoconfiança total e vertiginosa, a da hipocondria, quando nos distraímos do nosso espírito e só pensamos (mal) do nosso corpo, e a da hipocondria aguda como último estágio da megalomania. Cheguei a uma grave conclusão: assim como os paranoicos também têm inimigos, os hipocondríacos também ficam doentes. Adoecem de outras doenças que não a hipocondria ou a megalomania. Estou, possivelmente, na segunda fase. Santana talvez esteja na terceira. É incrível como mesmo um megalomaníaco de primeira grandeza, caso aceitem essa redundância, pode ser tão frágil e temer o que só atinge os pequenos: a demissão.
Não creio que Santana tema realmente a demissão. Acho que adora imaginar a situação: alguém teria coragem de demiti-lo? Seria essa uma possibilidade real? Qual a probabilidade disso acontecer? Remota? Remotíssima? No fundo, a ideia lhe é tentadora. Se alguém o demitisse, ele poderia exclamar: "Enfim, alguém maior do que eu". Não, não me entendam mal. Este texto não é uma crítica ao velho guerreiro. É um elogio. Nós, os megalomaníacos, precisamos nos unir. O grande problema dos megalomaníacos é a falta de espírito corporativo. É cada um por si. E Deus por todos? Como assim Deus? Alguém chamou? Deixei Santana sozinho. Ficou certamente na melhor companhia.
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*Filósofo. Professor Universitário. Escritor. Colunista do Correio do Povo
Fonte: Folha online, 17/12/2010

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