sábado, 18 de dezembro de 2010

Umberto ECO e as listas

Uma enorme lista de listas

 A Vertigem das Listas, do escritor e filósofo italiano Umberto Eco

As dez maiores catástrofes, as piores frases, as mortes mais marcantes, as melhores bandas novatas, as gafes mais comentadas, os melhores filmes de zumbi. Com o fim do ano, os meios de comunicação são tomados pelas tradicionais listas retrospectivas, que agregam toda sorte de eventos. Há até lista de listas. Neste ano, antes de relembrar os mais importantes fatos de 2010 (na próxima edição de ÉPOCA), você pode se deliciar com um dos melhores e mais prolixos estudos sobre esse quase obsessivo hábito da catalogação em A Vertigem das Listas (Record, 408 páginas, R$ 162,90), do escritor e filósofo italiano Umberto Eco, de 78 anos. O livro saiu em 2009 e chega agora ao Brasil. É fruto de um convite feito pelo Museu do Louvre, de Paris.
A atração de Eco por listas não é recente. No prefácio da edição ele admite que em seus romances “abundam as listas” – o que ele prova com a reprodução de trechos de O nome da Rosa e Baudolino. O gosto do escritor pelo assunto se originou ainda na juventude, em seus estudos de textos medievais e na leitura dos escritos de James Joyce. Assim como em seus deslumbrantes História da beleza e História da feiúra, Eco trata do assunto das listas a partir de textos literários e imagens. Isso quer dizer que, além de partir da trajetória da literatura ocidental para abordar o tema, boa parte das páginas de A vertigem das listas é ilustrada. São obras de arte, imagens de relíquias, fotos atuais e até desenhos científicos.
O ponto de partida é a descrição feita por Homero, na Ilíada, do escudo de Aquiles. Eco usa mais de uma página para descrever as figuras gravadas nele, uma quantidade tal de cenas que, “a menos que se suponha um trabalho de microscópica ourivesaria, fica difícil imaginar o objeto em toda a sua riqueza de detalhes”.
A cada capítulo, Eco trata de um tipo de listas. Após uma breve explicação, segue-se uma compilação de textos de diferentes períodos em que aparecem enumerações das mais diversas coisas. São elencos de anjos, riquezas, acervos, adjetivos, mártires. Quando fala sobre a enumeração de coisas, transcreve o elenco de ingredientes malignos mencionados pelas bruxas de Macbeth, de Shakespeare. O capítulo “Lista de lugares” é exemplificado pela descrição do universo inteiro visto por meio de um orifício no conto “O Aleph”, de Jorge Luis Borges. Há ainda curiosidades e bizarrices como as diferentes maneiras de fazer a higiene pessoal depois de usar o banheiro, elencadas por François Rabelais.
A leitura de A vertigem das listas pode se tornar um verdadeiro desatino. O acúmulo visual e textual da prática do listar – que por princípio deveria ajudar a organizar e compreender – acaba por embotar os sentidos. Mas o intuito de Eco, evidenciado pelo título da obra, não é evitar esse tipo de reação. Seu livro deve ser lido aos poucos, como uma das enciclopédias de curiosidades medievais que menciona.
Listas caóticas
Sobre esse tipo, Eco fala do “deleite de colocar em cena o absolutamente heterogêneo”. Ele cita o poema “Ode a Federico García Lorca”, de Pablo Neruda: Chega uma rosa de ódio e alfinetes,/ chega uma embarcação amarelenta,/chega um dia de vento com um menino. Ao lado, obra dadaísta de Hannah Höch
Listas na sociedade atual
Há “locais simbólicos” para o elenco na sociedade atual: “Um deles é a vitrine, que exibe uma série às vezes excessiva de objetos, mas, na verdade, dá a entender que expõe apenas um exemplo de tudo o que se pode encontrar no interior”. Eco diz que a World Wide Web é a “grande mãe de todas as listas”. Ao lado, imagem de Raymond Depardon
Tesouros e coleções
No capítulo sobre o catálogo de museus, Eco conta que no tesouro imperial de Viena estão guardados “um pedaço da manjedoura de Belém, a lança que atingiu Jesus no costado e um prego da Cruz, a espada de Carlos Magno” etc. Na foto acima, uma urna relicário com pedrinhas provenientes da Terra Santa, do século XVII
O elenco visual e o infinito
Para Eco, muitas obras visuais podem ser consideradas listas. Em Jardim das delícias terrenas (detalhe acima), o pintor Hieronymus Bosch “nos diz que as maravilhas que menciona deveriam se estender além dos limites do quadro”. Eco afirma que a lista infinita pode aparecer em outras artes, como na peça sinfônica Bolero, de Ravel
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Reportagem por Mariana Shirai
Fonte:Revista ÉPOCA online, 17/12/2010

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