sábado, 22 de janeiro de 2011

Sinceridade e mentira

Assim falou Vargas Vila” sobre a sinceridade


1“A sinceridade é uma virtude que a
devemos somente a nós mesmos.
Praticá-la com os outros é um suicídio” (Vargas Vila).[1]

As palavras de Vargas Vila (1860-1933) é um convite à reflexão. Ele me foi apresentado por Ezio Flavio Bazzo, organizador da obra “Assim falou Vargas Vila”.[2] Este autor maldito, banido da sua terra natal, foi “novelista, militante panfletário, jornalista, niilista, ateu, anticlerical e obsessivamente indignado com a palhaçada fastidiosa reinante na América Latina, principalmente com o carneirismo vergonhoso de sua política e de suas assembléias”.[3] Seus livros foram censurados, queimados em praça pública e a Igreja ameaçou de excomunhão quem se atrevesse a lê-los.
Escritas há muito tempo, são palavras atuais pertinentes. Por exemplo, o que ele escreve sobre a sinceridade. Seja sincero e correrá o sério risco de ver decretada a sua morte social. Muitos lhe considerarão inconveniente e grosseiro; outros dirão que você padece da ingenuidade dos loucos e das crianças – os únicos que, em geral, não temem a espontaneidade – e o aconselharão a “pensar antes de falar”; dirão que seu tom de voz é ofensivo. O ser humano necessita gosta das aparências. A verdade pode ser insuportável. A mentira é o fundamento da sociedade:
“O único método reflexivo de triunfar é a mentira; a verdade é espontânea e irreflexiva; por isso leva sempre à derrota; ninguém se salvou por dizer uma verdade; todos os vencedores o foram pelo poder de uma mentira…”[4]
“A mentira é o estado natural do homem. Na mentira vivemos, pela mentira gozamos e é do seio generoso da mentira que extraímos as únicas gotas de mel que adoçam a vida. A mentira é a esmola dos céus, nela vibra a bondade suprema, é ela que dá força ao espírito para não desfalecer, não morrer, não fechar as asas e cair dos céus exóticos do sonho sobre a terra miserável.”[5]

“A mentira é o estado natural do homem.
Na mentira vivemos,
 pela mentira gozamos e
é do seio generoso da mentira que extraímos
as únicas gotas de mel que
adoçam a vida..."
“A verdade é de tal maneira odiosa aos homens, que quando mencionam uma, a colocam na boca de um louco como Hamlet. E é para provar sua loucura que este diz uma verdade.”[6]
Se a verdade deve ser socialmente dissimulada, talvez Vargas Vila esteja certo quando define a amizade como uma:
“… forma de comércio entre os homens, máscara de Aristófanes sob a qual se gesticula à vontade; consórcio de duas vaidades, junção de duas mentiras sob qualquer interesse sempre bastardo (…) a hipocrisia é o laço que une os homens em sociedade: no dia em que imperasse a franqueza, se destruiriam uns aos outros como os soldados de Cadmos.”[7]
Quantos de nós estamos dispostos a assumir os riscos de dizer aos nossos amigos e pessoas amadas o que realmente pensamos? Somos capazes de ouvir o que sinceramente pensam sobre nós? Quantas amizades, casamentos, etc. resistem à sinceridade? Talvez por isso preferimos nos enganar mutuamente, como se pisássemos em cristais sem assumirmos o risco de quebrá-los.
“Assim falou Vargas Vila”. Resta escandalizar-se ou suspender os preconceitos e refletir sobre o significado das suas palavras. Se não tememos a sinceridade, temos algo a aprender. Afinal, se atentarmos bem para o nosso cotidiano, talvez nos assustemos em perceber que as palavras de Vargas Vila, por constrangedoras que pareçam, servem bem para pensar o indizível, aquilo que não temos coragem de pronunciar.
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[1] In: BAZZO, Ezio Flavio. Assim falou Vargas Vila. Brasília, Companhia das Tetas Publicadora, 2005, p. LXXXIII.
[2] Informações e a apresentação de Ezio Flavio Bazzo estão disponíveis em: Revista Espaço Acadêmico, nº 49, Junho de 2005.
[3] BAZZO, Ezio Flavio. Assim falou Vargas Vila. Brasília, Companhia das Tetas Publicadora, 2005, p. XXIII.
[4] Id., p. XXXIX.
[5] Id., p. LXXII.
[6] Id., p. LXXX.
[7] Id., XLIV.
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Fonte: Antonio Ozaí da Silva in leituras, reflexões do quotidiano

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