quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O século da palavra

Marcelo Rocha*
“Penso que não cegamos, penso que estamos cegos,
cegos que veem, cegos que, vendo, não veem.”
(Ensaio sobre a Cegueira, José Saramago)

A prática da leitura e da escrita talvez nunca tenha sido tão disseminada quanto na contemporaneidade. Para o italiano Umberto Eco, vivemos no século da palavra. Isso significa, segundo ele, uma mudança do século passado, voltado para as imagens com a ascensão do cinema e da televisão, para uma espécie de retorno ao texto escrito. Ao contrário dos que apontam a internet como causa da degradação do nosso ensino, não é difícil perceber que as redes sociais, o e-mail, os blogs e outras ferramentas estabeleceram novas dinâmicas no uso da palavra. Desse modo, afirma, ainda, o autor de O Nome da Rosa, o texto desgrudou-se da página impressa. Hoje, a palavra adeja livre pelo ciberespaço.
É interessante perceber que a tela do computador passa a incitar uma interface, facultando a criação coletiva, a autoria partilhada e a colaboração simultânea, o que provoca um espaço de interlocução, confronto e exposição. A leitura e a escrita, nestas circunstâncias, visam à intersubjetividade. Assim, por mais que se postem fotos no Facebook, ou ainda, que se narre, pelo Twitter, quem sou ou quem eu gostaria de ser, ali estão presentes modos de leitura e escrita.
Os mais conservadores dirão que os textos literários clássicos, guardiões e disseminadores da alta cultura, não são mais lidos pelos jovens. Sem querer entrar no campo espinhoso da discussão sobre o que é clássico, a pluralidade de leituras e escritas e suas adequações talvez sejam os maiores desafios do educador na atualidade. Se a internet é uma floresta com suas veredas, perigos e preciosidades, caberá ao professor o papel de explorador, especializado em traçar caminhos, além de mostrar com quantos gigabytes se faz uma jangada ou um barco que veleje, como dizia um cantor que foi ministro.
Com efeito, o misto de afirmação categórica e diagnóstico desalentador de que o jovem não lê poderia ser complementado por outro: o jovem não lê como líamos há algumas décadas. O processo de leitura mudou. O escritor Mário Prata afirma que, por mais que o usuário da internet entre em contato com um imenso lixão eletrônico, em muitos momentos ele estará lendo ou escrevendo, em frente à tela. Isso revela uma alteração no processo de leitura, mas que diz muito pouco sobre outro aspecto relevante neste percurso, ou seja, o que se lê.
Se, por um lado, a internet possibilita o acesso a informações antes inimagináveis, por outro, o excesso destas mesmas informações – e muitas absolutamente inúteis – pode acarretar um imenso vazio. De que valem, por exemplo, as mais de 500 páginas de um New York Times dominical se eu nunca terei tempo para lê-las? Mais do que quantidade, a nossa preocupação talvez tenha que ser com a qualidade daquilo que o jovem lê.
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*Professor da Unipampa, campus São Borja
Fonte: ZH online, 17/02/2011
Imagem da Internet

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